Firmamento

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readFeb 16, 2021
Hiroshima Mon Amour (1959)

I

Àquela hora, o mar já era perigoso e a lua nascia enquanto a noite se desenhava no céu. Sentada na areia, ela catava as estrelas nas mãos e as engolia. Uma das estrelas começou a correr, de um lado para o outro, dando voltas na amplidão. Talvez estivesse fugindo dela, ou talvez quisesse chamar sua atenção.

A estrela corria e brilhava cada vez mais forte até que caiu no mar. Ayira se assustou e correu até a água, nem pensou que o mar poderia lhe ferir, lhe afogar ou lhe cobrir por inteira. Nadou e nadou mas parecia não chegar a lugar algum. Olhava para trás e parecia tão perto da faixa de areia, como se todo seu esforço e seu fôlego tivessem sido em vão.

Voltou ao lugar em que antes se encontrava, agora encharcada e frustrada por não ter salvo sua estrela vulgar. Após alguns momentos de espera, algo brilhante e resplandecente surgiu no céu, emergindo das águas. Dessa vez mais brilhante, mais forte e mais bonita que nunca. Tão bonita quanto a luz pode ser.

A estrela se firmou no céu e transmutou-se num pássaro. Ayira levantou maravilhada e observou-o vir em sua direção, num voo rasante pousando a sua frente. Era o pássaro mais brilhante que já vira. Sentia que após olhá-lo diretamente, perderia graça todas as outras coisas. Ele entrou num estado de metamorfose intenso até parecer humano. Olhou para ela como se olha para algo que só era visto de longe e agora está perto ganhando rachaduras, rugas e dobraduras.

Os dois caminharam lado a lado pela praia. A pele de Ayira dela ardia por dentro, como se algo dentro dela estivesse em brasa. Ela estava tão sensível que a brisa do mar queimava sua pele e arrepiava os pelos das coxas. Eles conversaram um pouco até que o assunto virou silêncio. Ele disse que iria mergulhar, deu um beijo em seu pescoço e foi para a água. O lugar que beijara, queimava gelado. Ela se levantou, se despiu e caiu no mar.

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