Insegurança

Dayane Tosta
Revista Mormaço
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3 min readNov 3, 2020
Menina com o balão, de Banksy

Eu tenho um bom coração, corrompido pelo insustentável peso da minha insegurança. Padeço do medo de não ser amada. Seria injusto te culpar por isto. Mas quem falou que sou uma pessoa justa? Preciso tirar das minhas costas o peso da responsabilidade, não suporto mais esse fardo. A vida sem você precisava ser ainda inventada. Eu tinha que criar uma nova gramática, fazer seu nome cair em desuso. Deixar a memória do seu rosto mofando ali num canto inacessível.

É necessário muita força para ficar em silêncio, dentro de si, suportando o cheiro de todas as memórias guardadas no fundo do peito. Eu precisava dizer que doeu. Sim, sempre dói. Despedidas rasgam o peito. Mas doeu sobretudo a labuta com o silêncio. Foi o que você me deixou quando partiu. O vazio ocupou todos os vãos do nosso apartamento. Nada preenchia. Tão grande foi a minha agonia que comecei a sentir o seu cheiro nos lugares mais improváveis. No peito, aquela sensação de não saber o que fazer com a própria existência, como se ninguém ocupasse aquele lugar. Peguei o celular, ganhei a mania de ficar conferindo a nossa conversa, mas você não me mandou nenhum sinal de vida. Reli todo enredo do nosso desenlace procurando sinais de que você ainda me amava. Não encontrei.

Desde que você se foi eu entrei numa espécie de rota que me conduziu a fugir de todo e qualquer afeto. O medo de sofrer me transformou numa pessoa fria, insensível, distante. No silêncio da cama que um dia foi nossa eu fico matutanto sobre o fato de não ser uma mulher digna do seu amor, me perco de mim, sem saber nada do aqui e agora, o tempo presente pouco me importa, esqueço de escovar os dentes, pentear os cabelos; a vida tem sido o reflexo de um ser que padece esmagado pela gravidade da frase “não te quero mais”. Fico repetindo essas palavras, sozinha, sentindo na pele o efeito de sua falta.

Olhei as suas fotos nas redes. Monitorando as curtidas, fui atrás de qualquer nome suspeito, todas elas eram infinitamente mais bonitas que eu. Provei do amargo da comparação. Olhando-me no espelho odiei cada pedacinho do meu corpo e de repente eram as minhas curvas as responsáveis pelo nosso desenlace, seu desafeto só poderia ser minha culpa. Eu não me cabia mais dentro de mim, o corpo — meu algoz — tornou-se uma tortura olhá-lo. Não me reconhecia naquele corpo. O que sou eu para além dessas carnes? Quem sou eu para além desse amontoado de pele e gordura?

Coloquei um pé na fantasia e o outro pé em todas as decepções passadas que me transformaram nesse ser assustado diante de qualquer sentimento que me acelere o peito. Abri uma portinha que fica bem no canto do meu ser, escondida, uma porta que eu evito passar em frente, embora depois de aberta não há forma de conter o estrago, tal como a caixa de pandora. Essa portinha, que sequer sei dar nome, me põe em contato direto com toda a minha degradação, dentro dela permito sentir-me um lixo, uma coisa barata, um algo qualquer, sem valor. Depois de experimentar todo o ódio e desprezo, eu me lembro que é no amanhecer do dia que minhas ideias clareiam e meu coração sossega. Respiro fundo e percebo que a mudança vem por meio de um passo de cada vez. Não se alcança autoestima sem se quebrar miudinho e se refazer na conquista de si mesmo. Já era hora de olhar para dentro e me reinventar. Já era tempo de ser minha.

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Dayane Tosta
Revista Mormaço

Escrevo histórias e poesias porque viver não é o bastante. Publico na revista Mormaço Editorial. Mãe de Valentina. Professora por vocação e carma.