Intimidade
Lembro que era uma noite daquelas:
deitados na cama, o juízo mais pra lá do que pra cá
[um pouco bêbados de vinho ou simplesmente embriagados com aquela já conhecida paixão dos começos —
— ou ambos, nunca saberemos]
você me olhou no fundo dos olhos e perguntou:
“você já tragou fumaça?”
Minha mente meio que vagueou por um ou dois segundos inteiros
[como ela tende a fazer quando você me pergunta sobre qualquer coisa que seja remotamente marginal]
respondi “não, nunca”
Você materializou um cigarro
e um risinho diabólico de canto
Segurou meu rosto, estável, em uma palma da mão
[eu amo como suas mãos quase que cobrem meu rosto inteiro]
e, com a outra, acendeu o cigarro; a maestria de quem já o havia feito algumas dezenas de vezes
Levou o cigarro à boca — sem pressa alguma
e deu uma tragada pequeníssima
[como se contasse a uma ninfa o menor de seus segredos]
Se aproximou, mantendo seus olhos na linha dos meus,
apoiou o braço do cigarro na minha cintura,
nossas pernas enroscadas como videiras
e, com sua boca a meros milímetros da minha,
soprou uma nuvem diminuta de fumaça na minha direção,
como se me beijasse à distância.
Me tornei especialmente consciente
do meu coração
batendo.
Fechei os olhos, respirei por mais um trio de segundos,
e fiz que mergulhava
em algo como um oceano muito muito profundo
descendo
devagar
submergindo na escuridão índigo do Atlântico
de cabeça.
Retorno à superfície para encontrar seus olhos sobre mim,
[seca-me com teu olhar em cada sacada]
um misto de curiosidade cuidadosa, ternura e desejo,
[inunda-me, novamente,]
vítima, cúmplice e algoz,
e aquele sorriso diabólico
a medida que descobríamos,
[partilhávamos]
senão outra forma
de intimidade.
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