Jasmim

Elder Malaquias
Revista Mormaço
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3 min readDec 15, 2023

Acordo às 2:56h da madrugada cantarolando “Sem Fantasia”, de Chico. Não costumo lembrar dos meus sonhos, tenho até dúvidas se sonho, mas o questionamento não me ajuda em nada.

Sonhei com ela esta noite. Sou um ser humano de hábitos e desde pequeno tenho a mania de ficar vendo pessoas sendo pessoas, seres humanos sendo seres humanos. Gosto de observar os detalhes e trejeitos que fazemos as coisas quando achamos que ninguém esta olhando.

Estava sentando tomando café numa bodega na esquina de uma vila qualquer, observando os feirantes passando troco — em uma moeda que não consegui identificar —, os fregueses carregando suas sacolas e fazendo questionamentos, pechinchas, chorando descontos, enquanto a manhã passava a passos lentos.

A reconheci de longe. O vento acariciava os cachos do seu cabelo enquanto ela sorria. Se fechar os olhos, consigo lembrar com clareza o vestido verde com detalhes brancos, um chapéu marrom que protegia de certa forma do sol, a bolsa a tiracolo e um carrinho de feira meio cheio de verduras e legumes. Ostentava um genuíno sorriso de alegria, os olhos apertadinhos e, nossa, como brilhava.

As pessoas eram contagiadas pelo seu brilho: paravam, olhavam, davam um sorriso e seguiam suas vidas um pouco mais felizes. Que sorte a delas, que sentiram a leve fragrância de jasmim exalada da sua pele se misturando aos aroma dos pêssegos, laranjas e temperos.

O sol tocava seu rosto de forma tímida, seus olhos castanhos se destacando por dentre o pequeno mar de gente. Toda essa cena merecia um quadro, mas infelizmente não sou pintor, nasci sem talentos com pincéis e aquarelas.

Sua beleza não se assemelhava a nenhuma pintura que já tenha visto ou qualquer outra coisa, é como se fosse meio humana e meio deusa, linhagem direta de Iemanjá ou Iansã; com toda certeza, marcante.

Posso garantir que não foi um sonho atual. Éramos nós ali, mas em outra existência ou momento da vida. Quando nossos olhos se cruzaram entre a multidão e seu sorriso acertou o meu, e o meu olhar acertou o seu, soube que não estava ali só olhando as pessoas, mas sim, te esperando como uma criança que espera a hora de abrir os presentes de natal.

Acordei com cheiro de jasmim pela casa e sorri ao lembrar da imagem dela ainda com roupa de trabalho parada no centro da sala lendo a orelha de um dos meus livros favoritos. Naquele momento, naquele exato momento, meu peito em chamas só conseguiu perder as estribeiras e sorrir junto com o sorriso dela, enquanto guardava aquela cena na memória.

Talvez toda minha vida tenha escrito sobre você e não tinha me dado conta. Chico canta na música que acordei cantarolando “[…] que o instante de te ver custou tanto penar. Não vou me arrepender, só vim te convencer que eu vim pra não morrer de tanto te esperar […]”

Talvez viver seja um pouco de sonhar.

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Elder Malaquias
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Escrevedor. Autor do Romance “Sob o Signo de Helena” disponível na Amazon| Instagram: @eldermalaquias