Luiza nº 4 — Não pense jamais

Catharina Azevedo
Revista Mormaço
Published in
3 min readJul 18, 2022
(Carta não entregue)

Não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio. Uma vez que você mergulha e volta à tona, as águas não são mais as mesmas, tampouco mesmo o mergulhador.

Lu, minha querida, às vezes eu queria entender o motivo.

Eu não faço as regras, meu bem, dizia ao meu antigo amor, apenas as quebro. Andei tentando mergulhar novamente, mas a corrente era outra, outra também era eu. Aceitei o destino com serenidade e a calma de um cão empertigado, à espera do dono.

Não sei quanto ao tempo, mas a vida é linear. Não o feixe intricado de escolhas e motivos que outrora pensei que se apresentasse (quem demora demais escolhendo termina não saindo do lugar…), mas dual, início e fim — o meio é ilusão.

Se não ir, ficar. Se não saltar, tremer de frio.

Duas mãos, dois olhos, dois ouvidos, as almas da gente são dunas também, mas nesse deserto não me atenho.

Sabe mais o que é a vida? O nome de uma mulher que colocava um cântaro de água à minha porta todos os dias. Mas a vontade de abri-la nunca chegou.

Escutava seu barulho no meu assoalho toda manhã, acompanhado do líquido cristalino chacoalhando. Olhava a janela e ela ia embora.

Um dia fui acometida de uma sede tão grande que minha garganta quase ardeu em sangue. Também foi o dia em que ela havia se cansado de buscar água em lugares longínquos — esta que terminava voltando — e trouxe um cântaro de líquido barrento e insalubre. Ninguém nunca entendeu porque bebi daquilo, nem eu consegui explicar minha necessidade.

Sabe o que dói, Lu? É que quando você entende, já é tarde demais. Talvez não estejamos aqui para entender nada, porque compreender leva tempo e isso, ah, é muito precioso. A gente só pode alcançar as coisas onde estamos, não onde estivemos.

Mestre vento me ensinou a jamais gritar.

Da realidade: sou o momento de um casal que sai para tomar um sorvete, coisa simples — aprenderemos também que a simplicidade é tudo o que procuramos— , ela olha para cima e diz “olha só essas cores”, ele procura algo no ar, talvez o neon da placa, e diz que em todos os lugares há cor, ele não consegue entender.

Ela aponta para o verde alaranjado da copa das árvores, a verdade é que ele está achando ela um misto de muito nova e muito louca, a conversa é um parágrafo de texto e ela é tinta aquarela se esbanjando, espalhando-se para todos os lugares.

Ele quer ir pra casa e pergunta onde está o seu carro. É uma pena, ela pensa, eu havia gostado de você.

Ele a abraça afetuosamente e ela sabe que vai voltar para casa embebida em perfume e pulseiras, Lakhsmi em ânsia. Há o momento agridoce de aceitação e desprezo, porque ela sabe que não vai ser tocada aquela noite.

Percebeu isso em cinco salgados segundos.

Luiza, eis o que sou.

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