Matheus Peleteiro
Revista Mormaço
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3 min readNov 18, 2020

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MÃOS DE POETA

Meu pai sempre me dizia: “Filho, você tem que aprender a lutar. Nessa vida, você tem que saber apanhar e, sobretudo, revidar. Caso contrário, terminará virando poeta, e poetas sofrem a vida inteira”.

Foi o que fiz quando Marilene me abandonou, depois de termos passado quase cinco anos juntos. Tudo bem que eu escapava vez ou outra, mas eu amava Marilene, e sei que às vezes ela também dava as dela. A gente fingia que não sabia, mas era só porque a gente se amava. Quer dizer, porque eu a amava, já que ela me abandonou. Quem ama não abandona.

Bem, o fato é que, quando ela partiu e gritou, olhando nos meus olhos, que “já deu”, eu não hesitei. Pensei que fosse terminar escrevendo alguma coisa piegas no WhatsApp, suplicando para que voltasse para mim ou coisa do tipo, mas eu simplesmente me levantei e fui me matricular numa turma de boxe na “Hell Fitness”, academia nova no bairro.

O espaço era bem bacana. Mulheres perfumadas desfilavam com seus corpos esculturais, e homens inchados de pernas finas me divertiam fazendo caras e bocas a cada exercício. Porém, o que eu realmente desejava ali era o suor. Eu queria lutar até sair suado e fedorento. Até aprender a apanhar e revidar.

A minha primeira luta foi contra um saco de pancada. Eu não estava acostumado a realizar nenhuma atividade com as mãos além de digitar no teclado do computador e me masturbar, e talvez por isso tenha sentido tanta dor ao dar os primeiros socos.

Voltei para casa e me vi obrigado a deixar os dedos entre compressas de gelo a fim de aliviar a dor e o inchaço. De qualquer modo, no dia seguinte, estava eu lá, pronto para socar e ser socado por quem quer que fosse. Foi quando apareceu um rapazinho, deveria ter uns dezesseis anos. Eu tinha vinte e nove, esqueci de falar. Ele me olhou, deu uma risadinha, e eu pensei: “Vai ser moleza. Olha o tamanho desse moleque. Eu vou terminar é machucando ele. Assim não vou aprender nada”.

Rapidamente tomei o primeiro soco e comecei a enxergar tudo turvo. Não sabia que boxe era assim. Não tinha essa de tamanho, não, estava ali somente quem sabia bater e quem sabia apanhar. Eu não sabia nenhum dos dois, mas, aparentemente, estava aprendendo a apanhar.

Fui para cima dele tentando dar tudo de mim, dei um soco em sua barriga e achei que assim fosse derrubá-lo. Parei para checar se estava bem, e ele começou a rir da minha cara. Quando desfiz a base para ver se o machucara, ele me acertou um jab no queixo, e lá se foi um dos meus dentes da frente.

Voltei para casa injuriado e sem um dente. Tinha aprendido a apanhar, mas revidar parecia demais para mim. Meus dedos doíam. “Sinto muito, pai”, disse em voz alta.

Agora eu estava pronto. Não havia alternativa, a minha única forma de replicar era com palavras. Sentei e escrevi versos lindos sobre o amor, a tristeza e o abandono. Meu pai ficaria decepcionado, mas o que importava era que Marilene iria voltar para os meus braços depois do poema que fiz para ela, eu tinha certeza.

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