Música escura

nilo nobre
Revista Mormaço
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5 min readJun 4, 2024
Colagem digital feita pelo autor, a partir de imagens gratuitas de bancos de dados.

Olá, caros leitores da Espaço Musical! Hoje vou comentar com vocês sobre um novo tipo de música que está abalando as estruturas do espaço sideral. Me refiro a banda Quaking Quarks. Tive a oportunidade de presenciar uma apresentação e digo a vocês: o que senti foi uma experiência difícil de traduzir em palavras. Mas vamos por partes — e um pouco de história da música espacial não fará mal a ninguém.

Como todos os nossos leitores sabem, o som não se propaga no universo, pois som, como o definimos na Terra, era vibração do ar que chegava aos nossos ouvidos. Claro que quando começamos a explorar o espaço nos deparamos com contextos planetários novos, mas sem nunca perder o ímpeto de nos expressar. Foi assim que a criatividade humana nos dotou com a suave da infriiiltz de Taphao Thong, estilo musical cuja vibração suave nas coberturas gelatinosas nos traz muita paz interior quando conseguimos nos conectar à sua frequência tão específica. Ou também a Eletrztatz de Arion 3-c, que é de arrepiar os cabelos com sua frenética pulsação eletromagnética. Nossos leitores mais assíduos com certeza estão familiarizados com os graves retumbantes da bumbartum, vinda direto das cavernas de Fredler 5-d. Não cansamos de recomendar esse estilo musical por aqui.

O que você deve ter percebido, caro leitor, é que a música tem se manifestado por todo o universo, de maneiras inusitadas, mas sempre com uma característica comum. Todas as expressões artísticas humanas possuem um sentido a ser explorado. Artes visuais, como o nome já diz, são próprias para nossa visão, e portanto a música é, por excelência, um estímulo ao nosso tato. Seja por ouvirmos as vibrações sonoras, seja por sentirmos em nossa pele os estímulos eletrostáticos, ou as vibrações mais diversas. O que os Quaking Quarks estão fazendo, posso garantir a vocês, é a expressão última desta característica. Mas para vocês entenderem, vou precisar explicar um pouco sobre como o universo funciona e preciso que você tenha paciência e me acompanhe nesta jornada. Vai compensar no final, eu juro.

Dois mil anos terrestres se passaram desde que confirmaram a existência do Bóson de Higgs em 2013. A teoria dizia que o campo de Higgs atuava como um campo eletromagnético juntando a matéria que forma os prótons e nêutrons dos núcleos dos átomos. Sim, física básica para crianças, eu sei, mas continue comigo. Na época, ninguém conhecia ainda as propriedades da matéria escura que pareciam reagir à matéria comum apenas através da gravidade. Era uma época que ninguém sabia ainda como utilizar a aceleração que a matéria escura causa na matéria comum a partir de 15 quiloparsecs, hoje tão fundamental no nosso deslocamento espacial. E, como vocês sabem, este foi o grande desenvolvimento do último milênio, o qual permitiu que fugíssemos da Terra pouco antes do planeta voltar a virar uma imensa bola de fogo pelos efeitos climáticos que aumentamos. História básica para crianças, eu sei, mas ainda estou no modo professor palestrinha aqui.

Acontece que, como vocês também devem saber (ou pelo menos deveriam), há alguns meses, a revista Universciências publicou um artigo mostrando o que pode ser o novo grande salto no desenvolvimento humano. Uma forma de interagir com as partículas de matéria escura a partir de frequências específicas da energia escura tão abundante em nosso universo.

Surfando na crista da onda da descoberta, esses talentosos jovens de Afrion 32-a criaram “instrumentos” improvisados para gerar música usando estas frequências de energia escura. O resultado você já deve ter conseguido imaginar, não é? Se a matéria escura é composta por neutrinos minúsculos e imperceptíveis que estão lado a lado com os quarks que compõem os átomos dentro dos campos de Higgs, uma vibração específica nesses neutrinos também faria vibrar a matéria comum do entorno. Ou seja, uma música que você sente em cada átomo do seu corpo.

E aqui vão minhas impressões pessoais sobre esta experiência sensorial. O que estes meninos de Afrion 32-a estão fazendo é a forma mais sublime de expressão musical que já pude experimentar. Não à toa os instrumentos musicais foram confeccionados em formatos de simples tambores, apesar de toda a parafernália de colisão de hádrons acoplada a eles. A música escura, como pretendo chamá-la por conta de sua composição singular, nos faz vibrar por inteiro com a própria frequência do universo. A cada toque no atabaquetron 7000, nosso corpo ressoa como se experimentasse o próprio bigbang.

Do ponto de vista harmônico, as composições e arranjos possuem uma vivacidade única, mas que encontram ecos em antigos estilos musicais terráqueos como talvez os Tambores de África, o Axé brasileiro, ou o funk americano. Versões diminutas frente a este espetáculo sensorial que é a música escura. Mas não me entenda mal, caro leitor, os exemplos citados não são diminutos por serem ruins, são menores pois os captamos apenas pela vibração do ar enquanto a música escura mexe literalmente com toda a sua estrutura atômica. Além disso, há ainda outra semelhança estética da música escura com suas contrapartes terráqueas. Como mencionei, a frequência de vibração atômica nos contagia por inteiro, nos remetendo a um momento tão antigo quanto o bigbang, então, assim como nos estilos terráqueos, a música escura transborda de uma ancestralidade muito mais que visceral, pois não são apenas nossas vísceras que entram no ritmo. Sem querer ser muito pretensioso, ouso chamar este efeito de ancestralidade atômica.

Entretanto, é verdade que este estilo revolucionário é melhor experimentado em ambientes sem atmosfera, pois a vibração dos átomos do ar geram ecos de som e competem por nossa cognição. Não duvido que logo surjam estilos que se aproveitem desta dissonância sensorial para gerar novas formas de expressão, mas por enquanto, sempre que possível, experimentem a música escura apenas para sentir as vibrações com seus corpos. Vocês verão que o ritmo do universo é contagiante e é impossível não se comover com esta expressão tão primordial. E digo mais: em show de música escura, nenhum neutrino fica inerte!

Nilo Nobre

Colunista da revista Espaço Musical é formado em cosmomúsica pela Universidade de Centauri-A (UCA), pai de 12 astrocracatuas de topete e arranha um sibilino acreôntico nas horas vagas.

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nilo nobre
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Arqueólogo, Historiador e aprendiz de escritor e quadrinista. Brazilian Archaeologist, Historian and aspiring writer and comics artist.