Manifesto

Fazer um pacto de não resistir às delicadezas
tocar as estrelas com a ponta do nariz
e dedicar canções às baleias
mesmo que ninguém escute
mesmo que a bondade esteja escondida
debaixo da aba do boné do rapaz
que vende fones de ouvido no trem
pros passageiros que escutam
o futebol, o presidente, e as notícias
de que o quilo do feijão aumentou de novo.
E mesmo que já não se fale mais
em meninas jogando queimada
porque as bolas furaram
na cerca de arame farpado
que divide os corações
daqueles que não se lembram mais como se brinca
ou aqueles que, por imprudência ou azar,
acreditaram quando lhes disseram que a infância tem prazo de validade,
no que depender de mim e de você
haverá sempre festa aqui dentro
e riso para fazer cócegas nos cabelos das ideias
sérias demais.
E ainda que Deus seja só uma promessa
e que a molécula da água
seja mesmo sensível às mudanças de temperatura
— — como você e eu — —
prometemos continuar desatentos
e desconfiar de qualquer teoria
que não possa ser cientificamente comprovada
pela sabedoria silenciosa
de uma gota de chuva.