miragem

amélia
Revista Mormaço
Published in
2 min readMar 31, 2023
Teena Lalawat

se eu pudesse
segurar com as mãos
as espumas das ondas que não se quebraram
misturá-las em lágrimas
para devorá-las
sem pena
eu assim poderia dizer que o tempo
que me consome
também é meu

mas o meu tecido se descostura
como pedaços soltos de uma concha
em retalhos
e eu só queria pertencer inteira
a uma última refeição
mesmo que presa
às linhas mais doces, suaves e maduras
cheias de saliva
do deus-aranha

se eu pudesse
encontrar um lugar no tempo
que me ancorasse em meus próprios pés
eu assim poderia respirar
e dizer
sou:

mas percorro desertos
com meus próprios olhos
e minhas mãos continuam secas
e vazias
tento me conformar com meus restos
ao compará-los
às ondas, gotas de chuva,
grãos de areia
e até
salva-vidas já me disse e desdisse
bem logo em seguida

sou:
e só encontro o gosto salgado
náusea impura de bile branca

então se eu apenas pudesse
escutar o rugir do silêncio
que só as paredes do meu estômago
escutam
eu assim poderia sentir
os sopros estilhaçados das pequenas conchinhas

que sozinhas
só dizem
sal, sal…

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