miragem
se eu pudesse
segurar com as mãos
as espumas das ondas que não se quebraram
misturá-las em lágrimas
para devorá-las
sem pena
eu assim poderia dizer que o tempo
que me consome
também é meu
mas o meu tecido se descostura
como pedaços soltos de uma concha
em retalhos
e eu só queria pertencer inteira
a uma última refeição
mesmo que presa
às linhas mais doces, suaves e maduras
cheias de saliva
do deus-aranha
se eu pudesse
encontrar um lugar no tempo
que me ancorasse em meus próprios pés
eu assim poderia respirar
e dizer
sou:
mas percorro desertos
com meus próprios olhos
e minhas mãos continuam secas
e vazias
tento me conformar com meus restos
ao compará-los
às ondas, gotas de chuva,
grãos de areia
e até
salva-vidas já me disse e desdisse
bem logo em seguida
sou:
e só encontro o gosto salgado
náusea impura de bile branca
então se eu apenas pudesse
escutar o rugir do silêncio
que só as paredes do meu estômago
escutam
eu assim poderia sentir
os sopros estilhaçados das pequenas conchinhas
que sozinhas
só dizem
sal, sal…
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