mormaço

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readSep 29, 2020
fotografia de alile dara onawale

uma neblina quente e úmida atravessava o céu de onde eu o via. eu ardia, minha pele ardia, meus olhos ardiam, formando lágrimas de calor. subi o ônibus da sua rua, subi a ladeira e subi os degraus do seu apartamento. por um momento, esqueci seu rosto. não lembrava sua cor, sua voz, seu cabelo — não lembrava nem se cabelo você tinha.

cheguei até sua porta, meio tonta. me sentia vermelha. você a abriu, me recebeu com sorrisos e com meias-palavras. sempre as meias palavras. tão bem ditas, me fazendo acreditar. eu sempre fui uma mulher de fé e acredito em tudo que me é dito abaixo da linha do pescoço.

eu ensaiava dizer algo assim que você abrisse a porta, mas fiquei muda.

sentados em seu sofá, eu já não ouvia nada que dizia. sempre me perguntando se deveria dizer o que eu estava ali para dizer. você falava alguma coisa sobre um filme que eu precisava ver, talvez fosse um livro, só sei que te interrompi no meio de uma frase e disse:

— faz de mim o que quiser.

me olhou sem entender nada, até que me olhando começou a entender. me olhando, tu me beijou.

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