mulher de plástico

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readOct 26, 2020
Six Feet Under (04x02) 2004

lembro da primeira vez que o ar quente saiu de sua boca e me preencheu, dando-me forma. ele não era atraente, pelo menos não como os rapazes que apareciam na TV. o seu trabalho era em casa, o que tornava o contato dele com outras pessoas algo raro. nas poucas vezes que uma visita chegava, ele abria uma válvula que fica um pouco acima do meu ânus e eu murchava, exalando.

esses momentos sempre eram relaxantes. nada melhor que estar murcha, sem ar, amassada e escondida em uma gaveta. pode parecer humilhante mas era como se eu estivesse descansando do papel que eu sempre exercia. eu gostava de estar escondida. a única coisa que me incomodava era não ver outras pessoas além dele. não lembro de nada da minha vida antes dele, antes de morar naquele apartamento quente.

num dia atípico, descobri seu nome. uma mulher ligou para seu celular, gritava muito alto, lhe chamava de otávio. raramente ele recebia ligações, e nunca eram de mulheres. ele não tinha mulheres em sua vida, era por isso que eu estava ali. uma mulher de plástico.

ele não falou quase nada ao telefone, ficou de cabeça baixa, uma lágrima desceu pelo seu rosto. era bonita. brilhava. queria saber o gosto. eu queria saber o gosto de todas as coisas. o único gosto que eu conhecia era o de otávio, gostaria de ter com o que comparar. o choro era algo que muito me fascinava, ele sempre chorava. eu queria saber fazer sair água de mim. às vezes, ele chorava depois de fazer amor comigo, ou depois de ver um filme triste, ou só chorava do nada, enquanto comia ou enquanto conversava comigo.

ele conversava muito comigo. no começo era só sexo, mas depois de um tempo, ele começou a contar sua vida inteira. era uma pessoa triste, e parecia ter vergonha de mim. vergonha de precisar de mim, uma mulher de plástico.

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