Nada basta
Faz dias que não escrevo
faz dias que o silêncio é
como uma faca esforçada por amolar
a desossar com tamanho empenho
a carne enervada a que machuca e ceifa
neste cortar vicioso e lento,
partem-se todos os ossos
partem-se todos
deste triste ofício servem-se
junto a esta sopa fria e rançosa
donde fui açougueira e cozido
já não
me reconheço em versos,
me destroço
e não tenho fome desta dor
apenas a rejeito e quero
a rejeito e quero,
como te quero
e rejeito,
como rejeitas
ㅤㅤ[e nego
no mesmo tempo, na mesma sentença
corte em curto fluxo se faz
no circuito inconcebível desta existência
se desvaíra rápida
não se realiza
não chora, nem deixa
rastro de língua,
tato ou saliva
Aborto? Aborto!
sim e não,
de repente é isto:
nenhuma palavra basta para nada.