o mergulho do olhar

Karol Teles
Revista Mormaço
Published in
2 min readApr 1, 2024
Wind from the Sea, 1947. Andrew Wyeth

chovendo ao sul, vi naquele mar muitas coisas belas
e todas as coisas vivas pareciam falar o mesmo idioma
sob o tempo das ondas. sob a ranhura dos ventos
a lua declinava perto demais das nossas memórias
tudo parecia ser apenas um sonho
dentro de um sonho
eu não sabia mais distinguir a veracidade dos acontecimentos
e por um instante, desconheci a palavra medo.
volto às lembranças dos dias anteriores
de quando um poeta me trouxe ensinamentos sobre coisas que nunca foram escritas nos livros
e fora de mim, encontrei todos estes sentimentos perdidos
em cartões postais, páginas impressas,
caligrafias antepassadas..
o mar serenou pelas orlas enquanto senti o teu perfume
pairando
e eu, que entendo muito tristemente sobre partidas,
choro por não saber me esquecer de ti
mas de tudo que vivi, ainda busco no fundo das memórias mais bonitas
outro sonho
que me faça entender sobre a importância das recordações
dos mitos e das palavras
que se dissolvem
no desencanto do mundo.
sob o sol que desaparece numa linda estrada
ouço tua voz cantarolando os meus versos preferidos
daquela canção que diz
“hello, morning, you look good, good to me
kissing the sky
i can feel it move me”.
mas quando abro os olhos
não encontro nenhum indício teu.
então, continuo
em direção às ondas
sem prever a travessia
navegando às madrugadas, de encontro ao amor que pouco entendi.
já distante, me passa um filme -compreendi que não se foge do tempo, o que nos resta é caminhar delicadamente
e embora no horizonte eu veja reminiscências repletas de incertezas, vou me guiando pelo brilho das constelações
contando segredos por meio de estrelas e corais.
longe de tudo. desviando dos caminhos que me fazem voltar
eu notei que fugia do mundo, sorrindo
e o céu tinha um azul violento quando entendi
que nesse mesmo mundo ainda existe tudo
que me fez permanecer
tudo que sempre me faz
retornar
existem as distâncias e as cartas que escrevi
os livros, as fotografias engavetadas
existem os instantes.
e de repente, existe você
me levando de volta para casa
desfazendo meus silêncios
transformando o medo em tempo
e toda vontade de partir
em desejo de ficar.

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