outra pele nossa

nathalia bezerra
Revista Mormaço
Published in
2 min readDec 1, 2022
the coat (2015), colagem digital de jackpaperbag

uma fragilidade acontece
toda vez que uma
palavra nasce
antes de escrever, desista

no começo, um silêncio
uma sílaba miúda
carregar um alfabeto no teu dorso
deslizar o verbo pelas tuas costelas

são mais frágeis as primeiras horas do dia
(os segundos antes de abrir os olhos)
a pele ainda não se esticou

outra hora frágil acontece quando vocabulário
não há mais nessa língua
(palavra: um olho fechado)
uma pele esticada

há um pequeno abandono
os pássaros dessa cidade morrem
ainda sou a que corre
atrás das pilastras
com as mãos vazias

fazer da palavra casa
ainda que nossa língua
seja tão frágil quanto
olhar o fundo de um olho

tinha uma existência rala e fina
a transparência dos ossos
a pele uma agonia aguda
viver, um corpo que dói

no norte, é pra onde
nego as vertigens
antes de você tudo é véspera

escolher o menor nome
das coisas
inventaremos uma célula
sem tirar
as mãos do fogo

você não mora mais aqui
diga, dessa vez meu
soluço é mais contido
te quero aqui feito um
plano de pouso

a poesia é algo muito frágil
como eu e você

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nathalia bezerra
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