pombo-correio toca flauta

danna dantas
Revista Mormaço
Published in
2 min readSep 1, 2023
Marion Barraud

quando me movi por sopro, me achei um instrumento
transversal
o fôlego escapando por um tubo cheio de furos
pra mostrar que o oco também me serve
e que toda atmosfera muda
quando tampo um buraco com um dedo

sempre quis dar forma a esse silêncio.

sinto-me úmidos pulmões
e desejo alcançar o agudo das sereias
para ser estridente como quero
preciso
de um buraco sempre aberto

ocupar o espaço de um som
era tudo o que eu sabia sobre flutuar
até que me acinzentei em pássaro
uma ave chamada comum
comum, como se distinguir as encruzilhadas
não fosse uma habilidade notável
e como se sobreviver a uma vida tão dura
não fosse o maior êxito de um animal mortal

viver a cidade não é para poucos
na verdade, é para milhões de outros iguais a nós
“não alimente os malquistos!”
ao ser rejeitada vi
que o campo magnético da terra existe
para que eu não esqueça de onde parti

o maior dom que trago em mim é saber
o caminho de casa

enquanto não me aviam, me aguço
para ser instrumento é preciso prática
é preciso exercitar a modulação do ar
para levar uma mensagem é preciso segurá-la
não nos dedos
mutilados
mas na respiração

um canto precioso de bico fechado
que transpassa como música
o lugar de onde não vão nos expulsar

os portadores do que há de vir
não vão se abster
das alturas.

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danna dantas
Revista Mormaço

nascer no interior me levou a escrever sobre os lados de dentro