PORTA VERMELHA

Beatriz Trimer
Revista Mormaço
Published in
2 min readFeb 10, 2022
Foto de Beatriz Trimer

Foi naquela casa, de porta vermelha e piso queimado, que ela plantou o tomateiro. Nela passeava descalça nos dias frios. Também onde bateu a testa na pia da cozinha e foi-se correndo para o hospital do outro lado da rua. Levou seis pontos. Na porta do quarto colou o desenho de entrada proibida para maiores de dezoito anos. Em que levou a primeira namoradinha. Disse que era amiga. Depois chorou embaixo das cobertas com o coração quebrado. Estudou noites inteiras na mesa da cozinha. E aprendeu o crochê e o bordado com a avó. Cismou, também, em trocar o sofá. Comprou um cinza, dizia que era melhor para as costas. No banheiro vomitou a primeira noite de bebedeira. E na cozinha explodiu a panela de pressão. Enterrou o gato, que cresceu em ipê, no fundo do quintal. Subiu no telhado em luto, dormiu e acordou com os bombeiros recrutados pela vizinha. Cuidou do pai. Brigou com a esposa. Adotou a filha. Anos depois veio o neto. Ficava a olhar os carros na varanda da frente. Acendia a churrasqueira no fundo e recebia a família no Natal. Dia das mães vinham todos para o almoço. Ainda recebia os vizinhos para chá da tarde, às quartas. Ou quando se sentia solitária. Cresceu um prédio ao lado, não conhecera nenhum daqueles vizinhos. Fora assaltada, próximo ao seu aniversário. O policial lhe disse que o bairro era de senhores e seria mais frequente roubos naquela região. A família cogitou mandá-la ao asilo. Ela negou e trocou todas as fechaduras da casa. Passou a dormir com o quarto trancado. Era em agosto que o ipê floria e ela tomava chá aos seus pés. Escreveu uma carta antes de fazer a cirurgia da catarata. Perdeu as forças das pernas e descia para a calçada, devagar, pela rampa da garagem. Cultivava no jardim flores o ano todo. Foi, num domingo, envolta em outras flores, que ela fora embora.

--

--

Beatriz Trimer
Revista Mormaço

O orvalho se tece nas quintas-feiras. Na sexta faço croche. Viajo em ideias na segunda. A adubação nas quartas. Escrevo nos intervalos