Quando penso em escrever, meus braços doem

Letícia Zampiêr
Revista Mormaço
Published in
2 min readMar 1, 2023
Fonte: AI Art Generator

Quando penso em escrever, meus braços doem. Uma dor difusa que pega os ombros e os bíceps. Minha escrita é pesada. O álcool arde minha boca, mas já tem tempo que não quero mais beber. O calor momentâneo não vale o custo da barragem romper. Escrever parece impossível e não vejo porque jogar uma pedra na superfície plana do lago. Em momentos raros, em que os monstros dormem e os peixes se escondem, nada rompe a tensão superficial e a água parece vidro. Gosto da textura do vidro. Não quero me mexer, não posso me mexer. A numerologia me disse que muitas pessoas novas chegariam a minha vida esse ano. Como posso dizer educadamente que não quero? A solidão consciente é aquela que promove a inexistência. Se ninguém me vê, eu não existo. Sou o gato de Schrödinger. Exercito jogos sem objetivo e meu corretor não sabe usar o presente do indicativo. Talvez eu deva aprender o presente do indicativo de todas as línguas. Sem substantivos, pronomes e conjunções. Só o presente do indicativo. Tenho problemas com o pretérito mais-que-perfeito. Que ideia esdrúxula um passado mais que passado. O passado foi feito para ser esquecido. Em uma língua só com presente, o passado não existe. Nada é lembrado ou tudo acontece no aqui e agora. É melhor ter cuidado com o que se pede. Quando era criança, li um livro sobre uma menina que tinha o poder de tornar tudo o que ela escrevia verdade. Não consigo nem pensar na quantidade de merda que eu teria feito.

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Letícia Zampiêr
Revista Mormaço

Psicanalista, pesquisadora e poeta. Autora de Para provar que (não) te inventei (Editora Patuá, 2024).