rafaela

amélia
Revista Mormaço
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2 min readJul 1, 2024
Foto de Kabiur Rahman Riyad na Unsplash

eu passei dos trinta
e ela se entregou ao vento que entrava pela janela
eu escrevi poemas sobre
dor
sobre as perdas e o amor e ela apenas
não me chamou
pela última vez

ela não passou dos vinte e cinco
e eu escrevi um conto
contei ao mundo sobre seu último voo sem cinto ou
travas de segurança e eu escrevi sobre
como salva vidas
podem escrever tragédias não brandas

eu encontrei amor
nas falas de quinta e
ela deixou a sua em uma esquina
onde eu dizia, o silêncio não cura
mas também não se compra ou se faz aos gritos
mesmo que presos em cativeiros feito coelhos engasgados
que um dia ela resgatou
– então o que eu faço?

deram a ela nome de anjo
mas não asas
deram a mim nome de santa
mas não velas e nem mantas
deram a ela olhos de mar
mas não remos para navegar
deram a mim ouvidos furados
mas não antenas para captar
o ruído, tão frio
de um pesadelo que canta

e nem todo poder do mundo
da ciência ou de poemas
nada recolheria seus cacos
nada juntaria os pedaços
nada mudaria a cabeça o vento ou a sua direção

nada
tiraria do corpo o sagrado nome gravado
e a faria não querer sair voando por aí
sem licença ou permissão
porque frente aos mistérios do abismo
ela respondeu as questões com tinta vermelha
e só assim não passou de fase ou de missão, enquanto isso
eu sigo na dúvida
vez ou outra me comparando às corujas mas
daquelas que fazem ninhos no chão

eu preferi o giz de lousa
e ela sem folhas ou escolhas
gravou o nome de anjo em pedra firme
mas seu grafite não está aqui
pra riscar essa história

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