RINS

Beatriz Trimer
Revista Mormaço
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2 min readFeb 21, 2022
Foto de Beatriz Trimer

E me disseram que a morte era um sopro. Ela não se lembrava onde lera isso, mas lera. Talvez em um dos jornais de décadas passadas que guardava em uma caixa. Ou em algum livro que vasculhou na biblioteca. Ou na letra de alguma canção que acompanhava com os olhos enquanto a ouvia. Ou, até mesmo, em uma das infinitas cartas que lia de vez em quando. Lia, sorteando-as da bagunça na gaveta. Foi em uma noite de um domingo vazio que ela resolveu ler. Algo um pouco masoquista aquele ato único e regular: quando se sentia sozinha dedicava-se à leitura. Quem a conhecia perguntava-se o porquê escolhia a leitura daquelas velhas cartas. Existiam tantas outras coisas mais interessantes. Ninguém nunca se atreveria a perguntar. O motivo, apenas as de longa data sabiam. As demais ficavam com medo da reação. Talvez porque aquele sorriso contínuo e infinito, que ela carrega no rosto, poderia sumir. Ou medo do que estaria por vir. Muitos sabiam que, por trás daqueles dentes perfeitamente alinhados, dos lábios cuidadosamente curvados e das linhas de expressão muito bem delineadas, estava escondido algum sentimento que poucos, senão ninguém, conhecia.

Naquele dia, quase na virada do próximo, ela estava deitada na cama, pensando em sua morte. Disseram-na que a morte era um sopro. Perguntava-se quantos sopros alguém poderia sentir ao longo de sua vida. Deitada sobre o travesseiro, passava em sua cabeça a conta exata dos seus sopros. Negava falar em voz alta. Então levantou-se, sentou-se na cama e, sob a luz do abajur, abriu a gaveta com os envelopes pardos. Tirou um e leu. Depois o segundo. O quarto. O quinto. Sexto. Sétimo. Foi no oitavo que sentira sua boca seca. Nunca chegara no nono e, sempre, interrompia a leitura na metade do oitavo. Sempre com aquele gosto salgado na boca. Então guardou os envelopes na gaveta, deitou a cabeça no travesseiro e salgou a fronha. Tempo depois, sem saber ao certo, levantou-se. No escuro, foi beber água. Antes de voltar para os lençóis, passou no banheiro e assoou o nariz. Então contava, de novo, a quantidade de sopros que já sentira e adicionava mais um em seus pensamentos.

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Beatriz Trimer
Revista Mormaço

O orvalho se tece nas quintas-feiras. Na sexta faço croche. Viajo em ideias na segunda. A adubação nas quartas. Escrevo nos intervalos