Sala de espera
— Olá, se você chegou aqui, tenho uma boa e uma má notícia para você. A má é que você morreu, a boa é que agora é só esperar seu destino final no pós-morte.
Mas onde estão meus modos, não é?
Me chamo Hincseparator. Digo, esse não é meu nome verdadeiro, mas você não o compreenderia. Pode me chamar de Alter.
Vem comigo, vou te mostrar o lugar e o que o destino reserva para você, agora que passou pro outro lado. Posso colocar a mão no seu ombro, né? Claro. Seremos grandes amigos.
Vamos lá.
Ao longo deste corredor sem fim, estão as salas para onde vão as pessoas de acordo com sua religião.
O que? Você não achou que assim que morresse, iria automaticamente pro céu ou inferno da sua crença, né? Ainda não temos esse tipo de tecnologia por aqui e, infelizmente, você vai ter que passar pela triagem manual. E adivinha quem é o responsável por essa divisão?
Exato! Eu mesmo! Você é muito perspicaz!
Ora, não precisa fazer essa cara de quem acertou um chute no escuro.
Então, vamos ao que interessa. A primeira etapa da seleção permite identificar de forma geral a qual grande grupo de religiosidades do mundo você pertence.
Você acha que a bondade é um ideal de vida a ser buscado?
Perfeito.
E você deve buscar ser uma pessoa boa, por livre e espontânea vontade?
Certo.
Você pratica algum ritual para se conectar com sua divindade?
Hm-hum.
E você participa das cerimônias religiosas? Com que frequência?
Ok.
Oi? Ah, não. Não se preocupe com isso. Não precisa se explicar para mim. Eu só faço a separação de quem vai para cada canto. Este tipo de julgamento vai acontecer com o setor responsável depois que você for direcionado para lá.
Uma última pergunta. Você acha que a ameaça de uma punição eterna foi importante para a formação do seu caráter em algum momento da sua vida?
Ótimo. Obrigado.
Pelo total de suas respostas, você se encaixa em uma das grandes religiões do mundo ocidente.
Você participou de um Bar Mitzvah?
E quanto a um Shahada?
Batismo?
Isso reduz nossas possibilidades e parece que já sei para qual lugar devo te mandar. Porém, preciso continuar o questionário.
Você já chegou a vender sua filha numa feira?
O que? Ah. Me desculpe, o questionário é antigo. Temos mesmo algumas atualizações aqui.
Se um ladrão estivesse preso ao seu lado, o que você acharia dele?
Morto? Mas… isso não bate com a resposta esperada.
Ah, acho que sei o que está acontecendo. Me diga o que você acha do horóscopo.
Ok.
E quanto a comer carne em período de penitência?
De jeito nenhum? Tudo bem.
Você já fez alguma simpatia na vida?
Perfeito.
Bom, é isso. Temos realmente mais um problema de globalização.
Meu trabalho era muito mais fácil antigamente, sabe? Alguém como você chegava aqui, respondia sim ou não e rapidinho eu sabia se era católico, hindu, zoroastrista, baha’i. Agora está mais confuso, especialmente quando vem alguém do Brasil, como você. As crenças estão muito freestyle, sabe? Tipo, sigo só o que eu quero de dentro daquele conjunto, e daquele outro, e daquele outro.
Você não faz ideia do quanto aqueles tais coachs complicam meu trabalho aqui. São uma verdadeira praga. Agora a gente tem empresário protestante que quer ter uma empresa zen budista, enquanto faz simpatia para ganhar na loteria. É uma esculhambação só!
Pra completar, a diretoria não atualiza o questionário para a gente separar melhor e…
Desculpe, acabei desabafando e isso não é problema seu.
Não é porque você tem a eternidade pela frente que vai gastá-la ouvindo problemas dos outros, não é?
Então, voltando ao seu caso. Você vai ali para aquela sala de espera.
Pelo tempo que for necessário para que algum representante de uma religião maior venha solicitar sua alma.
Eu não faço as regras. Você vai ter que esperar no final da fila.
Não. Do outro lado. Aqui é o começo.
Eu sei que não dá pra ver, mas é o que posso fazer no momento.
O que? Responder de novo? Ah, você quer ir para outro canto?
Tá, deixa eu conferir aqui…
Só mais um momento…
Olha. Eu procurei aqui e tem duas possibilidades. Ah não, pera. Se fosse dessa escola aqui você nem acreditaria em vida pós-morte e teria se esforçado para ser o melhor enquanto estava vivo. Então só resta uma escola do budismo.
Tem certeza?
Você entrará em um ciclo de reencarnações para aprender a se desapegar e, na última vida, deverá viver como morador de rua.
Mas eu já disse, eu não faço as regras. Foram vocês que inventaram.
Como assim, por que? Eles acreditam que o morador de rua é o mais próximo do desapego a tudo que é material e um passo antes do nirvana.
É isso ou ir pro final da fila. A decisão é sua.
O que eu acho?
Bom, se você conseguir entrar onde pretende, a ideia é que você durma até o dia do julgamento final que, para ser sincero, pode até acontecer enquanto você está na fila. Nada impede que na segunda vinda de Jesus ele mesmo venha ali na sala e decida quem sobe com ele e quem cai. Mas julgamentos não são comigo, como já lhe falei. De todas as formas você vai ter que esperar.
Entendo. Mas a diferença se você espera em pé na fila ou dormindo não cabe a mim decidir. Isso não é do meu setor.
Se for pra escola budista que lhe falei, vai para aquela outra sala ali, se preparar para voltar ao mundo dos vivos e continuar o ciclo de aprendizagem.
Como mantém a aprendizagem? Não faço ideia.
Se quiser mudar depois, vai ter que iniciar um protocolo. Mas aí também é com outro setor.
Me desculpe, pode decidir logo? Há outros recém-chegados que preciso receber.
Vai voltar, então? Pois bem. Assine aqui por favor.
É por ali.
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