Saudade

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readMay 11, 2021
Hiroshima, Meu Amor (1959)

As meninas saíram do mar, apressadas, e continuaram a banhar-se no tonel de água que ficava nos fundos. Àquela hora, o mar já se tornava perigoso. A mais velha, Ayira, preparava sopa para suas irmãs e para seu pai que já deveria estar fazendo o caminho de volta para casa.

Depois de secar, vestir e dar de comer a suas irmãs, Ayira foi até a praia. Sentada na areia, ela entortava o pescoço encarando a noite. A cachorra se aproximou e perguntou o que ela tanto olhava. “Tá vendo aquela estrela? Sempre que olho pra ela, eu lembro dele.” a cachorra fez um olhar de desdém e disse “Ele não vai voltar, menina. Eles nunca voltam. Deixe ser o que foi pra ser. Não se apegue ao que nasceu pra ser passageiro.”.

Ayira sentiu uma pontada no peito com aquelas palavras, e esse é o tipo de dor que só se sente quando se encara uma verdade, uma dura cruel e triste verdade. É que ali na praia, nada acontecia. Todo dia era igual, a lua seguia a maré, a maré seguia a lua, a areia era a mesma e os peixes sempre vinham nas mesmas estações. A saudade era o sentimento mais gostoso e doído que ela tinha.

Pensava nele durante o fazer do almoço, do lanche e da janta. Mas não salgava nada, pois quem vive no mar já salga a boca. Pensava nele enquanto consertava as redes de pesca de seu pai, enquanto banhava as meninas, e principalmente enquanto dormia. Ela sonhava que ele surgia dos céus, como da primeira vez, mas que dessa vez era para ficar. Eles casavam, ali mesmo, tinham filhos, até que um dia, já velho, ele pulava num barco, partia e nunca mais voltava. Toda noite. O mesmo sonho.

Onde já se viu? Sonhar com abandono? Que coisa de gente besta. Ela pedia aos deuses para que sonhasse com algo mais vistoso, sem nem muita conversa, sem chegada e sem partida. Só ela e ele, juntos, de novo. Mas não funcionava, toda manhã ela assistia enquanto ele sumia no horizonte de sua memória.

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