sem primavera
doía nela olhar todas aquelas velhas lembranças e pensar que o que foi, já não era mais. suas flores estavam mortas. ver pedaços de seu jardim em cada foto, cada música, cada mensagem, cada partícula subatômica que a compunha. sabia, intimamente, que havia feito tudo que pôde: regou, adubou, fez crescer, protegeu, deu a luz do sol.
— ei, te adubei, te fiz crescer, te protegi dos bichos, te dei a luz do sol.
a flor cresceu. e assim desfincou as raízes e se plantou num outro jardim fora do seu perímetro de domínio. talvez o que a machucasse mais não fosse nem o arrependimento por não ter sido capaz de manter sua flor aqui, mas sim, vê-la cada vez mais distante, respirando um ar de indiferença que nunca lhe havia sido direcionado. como era doloroso, então, olhar o horizonte desflorido. descolorido. o jardim ainda estava lá, com o velho espaço reservado, esperando a volta de um pouco de cor àquele que um dia havia sido lar. mesmo assim, ela sabia: pior que plantar flores sem água, é regar uma que já morreu.