sobre despedidas

Larissa Lima
Revista Mormaço
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3 min readFeb 20, 2021
Susano Correia

me peguei cá pensando (até aqui alguma novidade?) no porquê é tão difícil esse pedaço dos encontros a que se dá o nome despedida.

repare se tem sentido: despida e logo após despedida.

é de se injuriar a desordem dos acontecimentos. como tomar um susto e não ser confortada depois.

adio a despedida como quem corre da forca.

tudo pra poder me demorar ali onde na verdade nem sei como fui parar. e acho que é por isso. corta a onda do desfrute e o tempo não espera o tal do deleite. logo já é hora de estar “em condições”. a gente cresce então aprendendo que é preciso se agarrar nos agoras.

mesmo porque o depois já envolve mais uma série de fantasias e, consequentemente, frustrações. e das duas nenhuma enche barriga.
tampouco coração.

veja bem, né que seja de todo mal a despedida. na marra a gente também aprende que são necessárias.

imposição de uma nova invenção.
é o que dizem as românticos, mas calejadas.

é que elas são tantas que me pego embaralhada entre o que é de fato o início, o meio e o fim das coisas.

descontinuidades.

de todos os cantos de coração que já habitei, posso me dizer acumuladora de bordas derrapantes.

sempre preferi os cantos e as suas garantias de que haveriam as beiradas pra me segurar. o centro sempre me foi confuso demais. aglomerado. cada qual ali se amontoando pra esconder seus pânicos.

parecer interessante exigia o pique prum carnaval inteiro. coisa que eu não tinha.

hoje eu rio porque minhas lágrimas protestaram o mal uso que tenho feito delas.

emocionada.

já experimentou a vertigem que dá tentar dançar dentro do eixo? eu sei que cê não sabe o que é isso. também não fui eu quem criei.
e eu só tento parecer ser o lugar que eu mais frequento.

percebeu como eu fujo das despedidas?

essa é uma prosa em que toda gente, em qualquer canto do mundo, tem um buraco pra remendar.

e veja só como é frouxa a despedida.
antes seduz se dizendo encontro, só pra degustar uns arrepios.
e no literalmente fim das contas,
o after não passa das duas e mesmas caras mais limpas cheirando os próprios perfumes.
já despistados pelo suor de outrem.

mas não se nega um frete com as próprias entranhas.
quando chega é inadiável.
nem adianta se a barriga doeu, se a ressaca bateu, se o passado apareceu.

me permita denunciar então a indecisão desse ato.
paradoxalmente, é o movimento mais estático.
obrigando a partir pra lidar com o que fica.
ou melhor, com quem.

assim sendo,
pela inconsistência da lógica,

se despedir é se encontrar.

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Larissa Lima
Revista Mormaço

escrever é como cachoeira que sustenta a própria queda.