Um jantar com um tal de Marcelo

Beatriz Trimer
Revista Mormaço
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4 min readApr 18, 2022
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16:07. Três horas e vinte e dois minutos antes do jantar.
— O nariz é do Carlos.
— Eu não conheço o Carlos.
— Mas o Carlos já morreu.
— Não me importo. Ele era da família?
— Não, mas era irmão do amigo do seu primo.
— Que primo?
— O primo do sobrinho do vô.
— Tia, eu não sei quem é esse primo, não quero saber do Carlos ou do amigo do primo.
— Mas você não tá entendendo.
— Então me explica.
— O Carlos tinha uma sobrinha-neta, essa menina teve um filho. Ele tem sua idade e tá solteiro.
— Eu não me interesso.
— Agora que você não viu ele.
— Não vou me interessar por ele, tia.
— Vai sim, bobinha, porque ele vem para o jantar.
— Eu nunca vou me-.
— Não quero saber. Não venha falar que não vai ficar para o jantar porque vai ver aquela sua amiga! Fofoca você faz amanhã. E ainda vai ter mais o que falar depois desse jantar. O nome dele é Marcelo.

16:24. Três horas e seis minutos antes do jantar.
— Estou saindo para comprar o remédio da Vó!
— Volta antes das dezenove e trinta.

16:52. Duas horas e trinta e oito minutos antes do jantar.
— Precisamos conversar.
— Uau, você trouxe doce.
— Daniela nós precisamos conversar.
— Sobre o que?
— É a minha tia.
— Eu posso comer enquanto você fala.
— Por favor.
— Tá. Fala.
— Minha tia convidou um tal de Marcelo para jantar em casa.
— Hmm muito ruim isso. Tá bom, desculpa. Quem é esse?
— Um amigo do primo da sobrinha-neta do meu avô. Acho.
— E porque ele vai jantar na sua casa?
— Aparentemente minha tia acha que eu vou gostar dele.
— Mas você não vai.
— Eu sei, falei para ela.
— Mas ela não entendeu.
— Sim.
— E agora?
— Agora eu não sei.
— Agora nós podemos comer o doce e esquecer isso.
— Daniela!
— Tudo bem, tudo bem. Desculpa. Você não tinha falado para ela?
— Falei, faz tempo já. Quase um ano.
— E você sabe que ela não aceita. Por que continua nisso? Aceita isso e vai no jantar. Máximo que vai acontecer será ela deixar você sozinha com o Marcelinho e você ter que falar que não quer.
— Eu não aceito porque ela acha que eu sou anormal. Essa semana até veio com o papo de psicólogo para mim.
— Mas é bom para você lidar com essa situação. E o bom disso é que você não precisa pagar a consulta.
— Você sabe que o objetivo da minha tia não é eu lidar com os meus sentimentos. E só imagina o psicólogo que ela não vai arranjar.

19:12. Dezoito minutos antes do jantar.
— Posso tomar um banho antes?

19:20. Dez minutos antes do jantar.
— O que você está fazendo?
— Colocando roupa.
— Por que?
— Vou com você.
— Por que?
— Porque quero conhecer sua tia e sua avó.
— Em um jantar com um tal de Marcelo?
— Vou gostar de conhecer ele também.

19:28. Dois minutos antes do jantar.
— Aquela na janela era sua tia?
— Era.
— Onde ela conheceu o tal do Marcelo?
— Não sei.
— Não perguntou?
— Não, fiquei com raiva com aquele papo todo.
— Isso é horas de chegar?
— Eu estou no horário.
— O Marcelo tá quase chegando.
— Como você sabe?
— Quem é essa?
— Essa é a Dani.
— Ah.
— Oi. Tudo-.
— O Marcelo tá vindo.
— Eu sei, você já falou.
— Tá. Vai passar um perfume que você tá fedidinha.

19:30. Horário do jantar.
— Então aquela era sua tia?
— Sim. Desculpa o jeito que ela te tratou.
— Já esperava.
— Mas você não merece.
— Não me importo.

20:02. Trinta e dois minutos depois do horário do jantar.
— O Marcelo chegou!
— Acho melhor irmos para a sala.
— Por favor Dani, não faz nada pra irritar minha tia.
— Olha quem tá aqui. Marcelo, vou te apresentar. Essa é a minha sobrinha, ela tem vinte e cinco anos e é advogada.
— Oi. Prazer. Tudo bem?
— Oi.
— E essa é uma tal de Dani, amiga dela.
— Eu não sou amiga. Eu sou namorada. É um prazer.

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Beatriz Trimer
Revista Mormaço

O orvalho se tece nas quintas-feiras. Na sexta faço croche. Viajo em ideias na segunda. A adubação nas quartas. Escrevo nos intervalos