Uma moeda por seus pensamentos

Carla Guerson
Revista Mormaço
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2 min readMar 31, 2023

Faz sentido dizer que fazer nada pode ser cansativo? Cansar de não fazer nada, fazer nada até cansar. Se eu abrir o refrigerante agora depois vai ficar sem gás. Esse desodorante não tem um cheiro muito bom. Como foi mesmo que eu li no twitter outro dia? Não tem ninguém, eu vou ter que encarar e fazer isso. Nove e quarenta e cinco. Tem coisa demais nessa geladeira, metade já estragou. Tipo aquela personagem que não aceitava ajuda, tudo queria fazer sozinha. É uma boa ideia pra uma personagem. E seu telefone irá tocar… na sua casa que não tem explicação. Explicação, não tem não tem. Vou cortar só a pontinha, onde tá a lixa? Aquele caderninho era o que eu mais gostava. Se alguém atravessar a rua de olhos fechados não necessariamente morre, tem gente que consegue, acho que é questão de treino. Estrogonofe hoje, que é mais fácil. Não é possível que esse lixo inteiro é só de ontem, aposto que ele não tirou e deixou acumular. É possível confiar no amor de quem te conhece sendo que nem você se conhece o suficiente? Até que a iluminação aqui é boa. Quais são as chances de viver depois de ser atropelada? Deve ter um tipo de estatística pra isso. E tem gente que empurra a pessoa, mas aí já é assassinato, deve ser até doloso, quis empurrar. Mas quis matar? Não quis né. Ah, mas sem batata palha ninguém vai comer. Não era esse caderninho cinza não, mas acho que nesse aqui tem umas anotações legais. Posso só sair andando pela rua pra ver onde vai dar, mas se eu tiver olhando não vai ser a mesma coisa. Ai que calor. Já teve vez que eu tive ciúme sim, tem muito tempo. E eu achava que era ciumenta. Se eu pintasse de repente podia enquadrar melhor o que eu queria dizer. Só tenho foto preto e branco. Posso fazer uma batata na airfrier só pra complementar. Acho que é natural, todo mundo quer se sentir prestigiada. Poxa, nem mandar um recado, uma mensagem, nada? Acho que já deu o tempo da tinta, melhor tirar. Colocar o arroz pra cozinhar logo. Ninguém consegue fazer presença o suficiente a ponto de que a gente consiga superar a solidão, isso é fato. Não tem feijão cozido. Acho que não morre não, desde que você seja acostumado. Também tem um pouco de sorte, pode atravessar justo quando não tem ninguém. E tem a chance da pessoa te ver. Talvez existir seja cansativo, esteja você fazendo alguma coisa ou não. Só existir. Dez e quinze eu preciso sair, não posso esquecer o carregador.

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Carla Guerson
Revista Mormaço

Feminista, escritora, geminiana, mãe, leitora compulsiva. A favor dos incômodos. Autora dos livros “O som da tapa” e "Fogo de Palha".