Vou compartilhar com você um desabafo, posso?

Victor Sampaio
Revista Mormaço
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6 min readJan 31, 2022
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Tenho lido Rubem Braga ultimamente, quero dizer, Rubem Alves (confundo toda vez), e me divertido com as suas crônicas-desabafos. Pensei, então, cara leitora/leitor, em fazer o meu (o desabafo) e lhe confidenciar algo. Mas, antes, estou agora me perguntando: para quê fui citar o Rubem Alves? Será que agora, com este nome em sua mente, a comparação não será inevitável? Como se não bastasse, ainda trouxe o outro Rubem, que não tem nada a ver com a história, para a conversa. Bom, pois peço que a evite (a comparação)! Deixe-me aqui, nos passos dos meus pés. Ele lá e eu cá. Ótimo.

Agora, portanto, já devo confessar: mas antes, será que você não vai ficar se perguntando por que eu simplesmente não apaguei o nome dos dois? Eu mesmo estou me perguntando! Foi para isso que evoluiu a tecnologia? Eu sei lá! Escritor é tudo meio assim mesmo. Mas só para não te deixar sem resposta, acho que hoje me sinto como se estivesse a correr. É, é por aí. Escrevo como se corresse. Bato cada palavra no teclado sem saber exatamente qual será a próxima. Uma espécie de improviso, talvez? Ando sentindo tanta falta do teatro…

Devo dizer também que não é sempre assim. Não pense você que eu saio sempre correndo por aí, adoidado, em qualquer bloco de notas, levando multas sem fim. Não, não, não. Há dias em que caminho, há aqueles em que rastejo e há, ainda, aqueles em que apenas fico parado. Mas hoje, quando comecei a dar uns poucos passos, me veio uma vontade tão grande de correr, sair em disparada, sentir a força do vento contra o meu corpo. Peço que me acompanhe. Não tenho muito fôlego, mas vou tentar não tropeçar de novo e confessar algo pela última vez:

Quero escrever um livro!

Ufa! Agora saiu alguma coisa. É isso, então: quero escrever um livro. Agora você já sabe. Você, que aqui me lê, leria o meu livro? Ou melhor, vou além: você, que aqui me lê, compraria o meu livro? Afinal, eu não compro pão com leitura. “Boa tarde, dona Joana. O Roberto acabou de ler o meu livro. Me enviou agora a pouco algumas considerações. Disse ter gostado muito (o Roberto). Vai até emprestar para a Julia. Com ela, fechamos os 700 do aluguel?” Já pensou? Não dá, né? Então, se eu escrever um livro, mais que com a tua leitura, eu posso contar com a sua compra? Na verdade, precisa nem ler. Dá uma folheada, posta dizendo que adora cheiro de livro novo, depois deixa de decoração na estante, usa como apoio de mesa. Já sei! Dá de presente no amigo secreto! Diz que é livro de arte, literatura independente. É chique. Vai arrasar. A outra pessoa nem precisa ler também. Escreve uma dedicatória dizendo que considero-a livre desta obrigação. Pode até enumerar algumas sugestões do que fazer com o presente: 1) deixar de decoração na estante 2) usar de apoio de mesa 3) dar de presente no próximo amigo secreto. Tá vendo aí? Vai fazer sucesso. Meu livro será o novo par de meias.

Agora, isso tudo, se eu escrever o livro né?

Porque do jeito que a minha poesia anda escassa — sempre andou — como posso fazer isso? Se todos os poemas que eu escrever acabarem indo parar na Revista, quem vai pagar para ler um livro cujas palavras estão dispostas de graça na internet? Não foi por isso que os DVDs acabaram? Claro que adoro ter meus poemas publicados e lidos vez ou outra, mas quero agora escrever um livro. A coisa da árvore e do filho eu deixo para depois. Além disso, toda uma indústria de amigos secretos depende deste livro. Então tive a ideia de começar a escrever em prosa para a Revista. Poesia vai para o livro, prosa para a Revista. Pronto. Cartesianamente deste jeito. “Tenho até um textinho já feito”, lembrei. Ótimo! O mês de janeiro já foi. É só pegar aquele texto que já tá quase pronto, ajeitar uma coisa ou outra e mandar para a Revista. O poema eu mando para o livro. Simples, né?

Nem tanto. Veja você como as coisas são curiosas. Lá fui eu ajeitar o tal texto e me deparo com uma crônica fútil, chata e sem sal. Ruim demais, puta que pariu! Bom, paciência. Não é a primeira vez. O que me faz pensar: que ofício desgraçado esse, hein? Para além de todas as inseguranças, há vezes em que leio o mesmo texto 40 vezes e o acho detestável em 17 delas. Tá, até aí tudo bem. Mas e com as outras 23 vezes, em que eu gostei, eu faço o quê? Construo um sistema democrático, talvez? Que tal? Estabeleço um universo de 40 leituras. Se eu gostar do texto em mais de 50% destas, eu mando. Será que assim funciona? Sei não, hein… A tal da democracia brasileira (aquela), vide o ano de 2018 (aquele), tá aí para mostrar que a coisa não é bem assim… E tenho também a teoria de que texto bom mesmo a gente sabe que é bom quando bate o olho. Tem alguma coisa no jeito com que a palavra é escrita, no jeito com que ela é prensada no papel que entrega a qualidade. Tudo bem que com a popularização dos computadores ficou mais difícil de enxergar isso, mas há de se ter alguma imaginação. De qualquer forma, não é o caso desta famigerada crônica. Não preciso ler duas vezes para saber que, das 40 leituras, a acharia terrível em pelo menos 38. Deixo aqui esta margem pois posso algum dia estar sob algum efeito alucinógeno. Como hoje não estou, guardo-a para um outro momento.

Voltando à estaca zero, ainda preciso de um texto (a prosa) para a Revista. Poema não, poema é para o livro. Mas, pensando bem, cá entre nós, quantas pessoas me leem constantemente aqui? Vou dizer… dez? Será que chega a vinte? Talvez eu consiga reunir todas elas em um grupo no Whatsapp e pedir para todo mundo fingir que nunca viu tal poema. O grupo, obviamente, se chamaria “neuralizador”. Assim, eu poderia mandar um dos poemas para a Revista e pedir a essas dez (ou vinte?) pessoas no grupo para ler, dar uns claps, pode até comentar uma ou outra coisa comigo, mas depois esquecer. Apagar da memória. Não sei, finge que não leu. Aí eu pego o poema, que foi para a revista — mas que ninguém leu, tá? — , e mando para o livro. Talvez funcione. Sendo sincero, já é uma ideia melhor do que a tal crônica. Então, pronto, vou deixar de antemão um poema escrito. Se a prosa não surgir, estamos combinados. Mas, se porventura, de última hora, eu receber a visita inesperada da prosa, a levo para a Revista! E aí você não vai precisar ler a crônica ruim, nem fingir que não leu o poema. Resguardo, assim, ao mesmo tempo, o seu bom humor (que não vai ser alterado por um texto ruim) e a sua dignidade (que não vai ser alterada por uma mentira [!] ruim). Saímos todos ganhando. Um salve à prosa! Viva! Restabelecendo a paz e a harmonia entre os povos. Fui longe demais? Sou só eu? Sou? Só? Bom, tanto faz. De qualquer forma, viva a prosa! Reestabelecendo, ao menos, a minha paz!

Quanto a você, bom, nosso grupo no Whatsapp vai ficar para outra hora. Mas se quiser ler a minha prosa, já sabe: volta aqui para a Revista. Agora, se quer ler meu poema… aí espera. Espera e faz uma mandinga boa (daquelas), pro livro sair. Estamos precisando.

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Victor Sampaio
Revista Mormaço

poeta y ator, pelo caminho | transformando inquietações em palavras inquietas