Xium, catar pedra
Djalma era assim, de miúdo, sabe? Vez tava rindo arrepiado, vez era bruto como cão de rua. Homem bom, era. O mais velho. Eu, a caçula, mais duas e ele. Cuidava da gente tudo. A cidade era pequena né, ele sempre sabia onde nós tava. Dinorá mesmo, ele já arrastou das mesa de bar tarde da noite. Era outra época também, mulher bebendo dava nas vista. E depois que pai deixou mamãe, Jalminha ficou com isso de tomar conta. Tem tempo já, eu tava com oito ano ainda. Dora que sofreu demais, muito apegada em pai, chorava que ele voltasse. Eu fiquei foi com raiva só, também passou logo, que sofrer de criança é mais avuado. Mas depois que pai foi, mamãe endoideceu. Foi a mesma mais não, as mão firme na tesoura começaram a se arrastar, desfeita a vida. Uma vez, Dona Nazaré, de Tonho da venda lá da esquina, chiou foi muito com uma bainha errada, e mamãe, de raiva, picotou o vestido todinho na frente dela, gritando e xingando como se visse outras pessoa muita assim na sala. Triste demais, ela perdeu a cabeça quando pai foi morar com outra. As costura não dava dinheiro mais, que o povo falava de mamãe louca, os vizinho com medo até. Aí Djalma começou a trabalhar foi cedo, no primeiro mercado desses maior que chegou na região. Empacotava as mercadoria lá, dava um dinheiro bom, que na época as coisa não era cara como hoje, e ele ainda trazia feijão, arroz, quando não prestava pra vender mais. A gente não era de besteira não. Dora aí já tinha o primeiro estudo terminado, começou a dar banca pros menino mais novo. Foi indo ali apertado, um tempo a gente até alugou um quarto da casa, outra época lá vendia quentinha. Ruim foi quando Dora se escafedeu, levou as coisa embora pra nunca mais. Despedi na rodoviária e não sei dela até hoje onde tá. Aí foi que mamãe afantasmou, deu de não falar mais, foi sumindo sumindo miudinha até virar uma planta. Não teve nem no meu casamento, só Djalma foi, que Dinorá e eu não se falava mais então. Ele entrou comigo na igrejinha da Conceição. Djalma tava como artista, mais bonito que o noivo. Eu contente que só, não sabia a miséria que me esperava com aquele homem do cão. O tanto que me bateu perdi foi as conta. Sofri demais, hoje não choro porque ele tá morto e enterrado, e eu tô viva. Tô viva. A única que restou. Filho não tive, que sou esperta, aprendi umas conta com dona Belinha. E aquele lá depois de um tempo nem conseguia fazer mais nada, deu de beber, que nem Djalma. Meu irmão se esbagaçou foi todo de cachaça, nem nunca casou, e depois que perdeu o emprego não quis saber de mais nada. Era eu que ia arrastar ele pelo braço, arrancando dos bar, e ele sempre fazia uma gritaria. Até que morreu atropelado na rodovia de noite, nem devem de ter parado pra ver ele defunto já. Coisa feia, chorei demais. Djalma era o que me restava. Dinorá me proibiu da vida depois que eu roubei o noivo dela. Ela tinha era que me agradecer naquelas reza que ela deu de fazer todo dia quando virou beata. Pois livrei ela foi de muita dor e eu sei, eu sei que ela achava era bem feito que eu apanhasse de cair morta. Ói, meu castigo tá é bem pago. Mas Djalma merecia nada ruim não, ele era bom de pequeno. Fazia só uma malvadeza. Ele tinha mania de matar passarinho, e me arrudiava pra eu ir mais ele. Eu ia e catava as pedra mode ele jogar nas avezinha. De manhãzinha cedo, ele me chamava baixinho na janela do quarto: Xium, catar pedra, Xium, catar pedra. Eu era bem pequenininha, e ele me inventou esse nome de lugar nenhum. Eu ia mais ele, e as coisa era tudo simples sabe, a vida não inventava ainda de passar embora.
Thainá Carvalho é escritora, colagista e sergipana.
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