História do Direito — Grécia Antiga

Introdução

Bárbara Ronsoni de Oliveira
Bárbara Ronsoni
9 min readOct 20, 2018

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Este artigo é recomendado como acessório de outras áreas do Direito a fim de entender os processos históricos para uma maior compreensão acerca do presente, para então fazer projeções futuras conhecendo as estruturas jurídicas. Tratar-se-á das formações primitivas do que ainda não se podia chamar de Direito, como a Grécia Antiga, no entanto, sua importância e influência nos dias de hoje, perpassando pelo Direito Romano até as instituições atuais.

1. O nascimento do Direito

Antes de falar em Grécia Antiga, nota-se que, cerca de 1750 a.c., na Mesopotâmia, existiu o Código de Hamurabi, o primeiro conceito de lei conhecido. Ainda não podemos falar em direito.

No seu epílogo, Hamurabi afirma que elaborou o conjunto de leis “para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos” e “para resolver todas as disputas e sanar quaisquer ofensas”.

Pedra com o Código de Hamurabi. Wikipedia/Reprodução

1.1 Grécia Antiga

Maquete representando A Acrópole de Atenas.

Mesmo sem o direito propriamente dito, as cidades-estado de Atenas tiveram forte influência no direito ocidental. As experiências republicanas dessa época deram luz ao que hoje compreendemos como Estado e a população por ele governada.

No que se refere ao constituicionalismo grego, diz-se que: I) a inexistência de constituições escritas; II) a prevalência da supremacia do Parlamento; III) a possibilidade de modificação das proclamações constitucionais por atos legislativos ordinários; e IV) a irresponsabilidade governamental dos detentores do poder.

Historicamente, quando se fala de Grécia e direito, nos referimos ao período arcaico (circa 800 a.c.-500 a.c.) e clássico (circa 500 a.c.-300 a.c.). A pólis — ou cidades-estado — foi fundamental para o nascimento da ideia de direito.

1.1.1 Atenas: o berço da democracia

A constituição legal da cidade de Atenas resultou no estabelecimento de um regime democrático, tendo como sustentação o sistema jurídico que possuia. O assunto a seguir trata de uma breve história desse período grego.

Datando cerca do século VIII, ocorreu a crise da realeza homérica, que deu espaço à aristocracia. Nesse período o poder foi repartido repartido entre membros da elite militar, possuidores de terra e descendentes da nobreza homérica, que desmembram o poder em três funções: militar, exercida pelo polemarca; administrativa, pelo arconte; e religiosa, pelo arconte basileu (figura do rei destituída de seus poderes políticos).

“O Rei ocupava o palácio que agora conhecemos com o nome de Bukolio, perto do Pritaneu. O Arconte vivia no Pritaneu e o Polemarca no Epiliceo. […] Tinham o poder de decidir definitivamente os julgamentos, com autoridade própria, e não como em nossos dias, que apenas se reúnem em audiência preliminar. Tal era a disposição das magistraturas. O Conselho do Areópago tinha a seu cargo a proteção das leis, dever que lhe era imposto constitucionalmente, mas na realidade exercia a administração da maior e mais importante parte do governo da República, aplicando castigos corporais e multas sumariamente a todos os cidadãos cuja conduta não fosse perfeita. Foi por uma conseqüência natural dos fatos que os Arcontes eram eleitos entre as classes de posição elevada, enquanto que o Areópago era composto de pessoas que já tinham desempenhado a função de Arconte. Por tal motivo, o lugar de membro do Areópago foi o único que continuou sendo vitalício até os nossos dias.”
Aristóteles: A Constituição de Atenas.

Ainda durante a aristocracia, o poder sai da esfera privada (rei no controle) e avança para a esfera pública, em que o poder não é mais uma pessoa, e sim uma função. A partir desse momento, o poder passa a circular pelas esferas dos cidadãos, que até então eram apenas os proprietários de terras e militares.

A pólis nasce nessa transição entre a monarquia e a aristocracia. O objeto de ocupação do Estado passa a ser sujeito aos interesses públicos, e esses interesses devem ser alcançados pelo próprio povo, que não desejavam mais apenas delegar a uma autoridade com poderes ilimitados. A cidadania ainda era restrita.

Pólis. Thinglink/Reprodução

Entre o século VIII e IV a.c., Atenas passou pelo processo de alargamento da cidadania, que a conferiu a chamada “isonomia”, como garantia de igualdade perante a lei, o que chamamos agora de democracia.

Para situar: o primeiro chefe popular foi Sólon, ao que se seguiu Pisístrato, ambos de boa sociedade e de posição definida. Depois da queda dos tiranos foi Clístenes, membro da casa dos Alcomeonios, que não teve competidor depois da expulsão do partido de Iságoras. Destaca-se:

“Sólon foi nomeado como mediador e Arconte, sendo posta em suas mãos a constituição. Com respeito a reputação, Sólon figurava entre os que a possuíam mais sólida, mas quanto a riqueza e posição, nada ele possuía, pois pertencia à classe media, conforme era costume seu não esconder. De qualquer modo, é certo que sempre censurava os ricos como promotores dos conflitos, atacando a avidez pela riqueza e o espírito de lucro, querendo dizer que isso era o ponto principal das questões. […] Sólon redigiu logo uma constituição e pôs em vigor novas leis. As medidas adotadas por Drácon foram abolidas, exceto as referentes ao homicídio. As leis foram estritas em tabuletas que se afixaram no Pórtico do Rei, jurando todos respeitá-las, prestando também os Arcontes o seu juramento, declarando que mandariam erigir, à sua custa, uma estatua de ouro, se violassem qualquer das novas leis. Tal é a origem do juramento que, para o mesmo efeito, ainda é prestado em nossos dias. Sólon ratificou suas leis para que produzissem efeito durante o período de uma centúria, organizando a constituição do modo seguinte: dividiu a população em quatro classes de acordo com a propriedade, Como já tinha sido dividida anteriormente, quer dizer, em Pentacosiomedimnios, Cavaleiros, Zeugitas e Thetos. As várias magistraturas, a saber: os nove Arcontes, os Tesoureiros, os Encarregados dos Contratos Públicos, ou Poletae os Onze, e os Atuarios da Fazenda, ou Colacretes, que assinavam aos Pentacosiomedininios, Cavalheiros e Zeugitas, confiando cargos a cada classe, proporcionalmente ao valor de suas propriedades. […] As eleições para as varias funções instituídas por Sólon, eram realizadas por sorteio entre os candidatos selecionados por cada uma das tribos. Cada tribo elegia dez candidatos para os nove Arcontes, efetuando-se o sorteio entre eles. Daí prevalecer o costume de em cada tribo se eleger dez candidatos por sorteio. Prova de que Sólon regulamentou as eleições para os cargos, segundo a classe de proprietários, é a lei em vigor referente aos Tesoureiros, que estabelece que eles devem ser eleitos entre os Pentacosiomedimnios.”
Aristóteles: A Constituição de Atenas

Mas não era de ter inveja:

“[…] (Sólon) Tinha a seu cargo a inspeção de todos os assuntos referentes à República, na maioria das matérias, aplicando penas aos que as violavam, tendo amplos poderes para impor multa ou castigos corporais. O dinheiro recebido das multas era levado à Acrópole, sem constar o motivo por que a multa havia sido aplicada. Também julgava aos que conspiravam para derrubar a República, pois Sólon havia posto em execução uma lei que impedia que tais acusados fossem julgados inculpados. Demais, como visse que o Estado era constantemente perturbado por disputas internas, enquanto muitos cidadãos, devido a mera indiferença, aceitavam tudo quanto ocorresse, promulgou uma lei que se referia precisamente a tais pessoas, dizendo que todo aquele que em tempo de dissensões civis não pegasse em armas em favor de qualquer dos partidos, perderia seus direitos de cidadão, ficando afastado de tudo quanto dissesse respeito à República. Essa foi a sua legislação no que se referia às magistraturas.”
Aristóteles: A Constituição de Atenas

No entanto, Sólon fez vários avanços, como bem resume Aristóteles:

“ Ha três pontos na constituição de Sólon que, parece, são seus aspectos mais democráticos: o primeiro, e de maior importância, é a proibição de empréstimos com garantia pessoal da vida do devedor; em segundo lugar, o direito que gozava todo aquele que quisesse reclamar justiça em favor de quem quer que fosse que tivesse seus direitos feridos; em terceiro lugar, a instituição de poder apelar para os juízos formados por jurados. A este ultimo, segundo se afirma, deveram as massas a sua força, mais que a qualquer outro fator, embora quando a democracia se apodera da força dos votos, apodera-se também da constituição”
Aristóteles: A Constituição de Atenas

Depois de Sólon, ampliaram e democratizaram-se os mecanismos de participação cidadã por Clístenes, que desenvolveu um sistema em que, em algum momento da vida, todo cidadão atuará como governante.

Existe, nessa transição do estado cidadão, duas diferenciações: o Pré-Direito (autoritário e arcaico, exercido pela realeza e mais tarde pela aristocracia; acusações eram sumárias, sem procedimentos regulares de defesa; controle da justiça nas mãos dos mais influentes, em prejuízo daqueles de extração social inferior; justiça exercida por delegação divina), que a partir do séc. VII a.c. cedeu espaço ao Direito (em Creta fixou-se pela primeira vez por escrito uma descrição da comunidade políade).

Creta vista da Estação Espacial Internacional. Wikipedia/Reprodução

Aos poucos as leis começaram a ser escritas sobre pedras expostas em locais públicos, o que eu considero o auge da democracia, pois fica disponível as vistas de todos — no entanto, nem todos sabiam ler.

Sólon foi bastante responsável pela racionalização do Direito: a partir de suas reformas as leis passaram a valer igualmente para todos os cidadãos, independente de sua posição social.

“Nenhum homem livre, cidadão da mesma Atenas, poderá sofrer a humilhação da escravidão por dívidas.”

Para saber mais acerca da vida de Sólon, recomendo a leitura de Vidas Paralelas: Sólon e Publícola.

Curiosidade: mesmo com a humanização do direito penal, os delitos de asebéia ainda eram julgados na capital, mais duramente, delito pelo qual Sócrates, Protágoras e Aspásia já foram acusados.

1.1.1.1 Sistema jurídico grego

Durante esse período de humanização e racionalização do Direito, os membros da Heliéia eram escolhidos anualmente por sorteio, 600 pessoas por tribo. Clístenes dividiu a Ática em 10 tribos (que eram como distritos eleitorais), totalizando 6000 pessoas no tribunal popular. Para garantir a participação dos mais pobres, Péricles instituiu o misthós heliástikos, que era uma remuneração de 3 óbulos.

Óbulo. Wikipedia/Reprodução

Após o Aerópago ser restringido pelas reformas de Elfiates em 461 a.c., a administração cotidiana da justiça recai sobre os tesmótetas, magistrados sorteados pela Assembléia, à razão de um por tribo. Permaneciam no cargo por um ano e deviam prestar conta à Boulé (Conselho dos 500) pela sua atuação. A anualidade e o sorteio na escolha dos heliastas e dos tesmótetas garante uma grande participação popular dos cidadãos no funcionamento da justiça. (Mossé, 1985: 15–79)

Aerópogo atualmente. Wikipedia/Reprodução

Com esse sistema, se desenvolveu a profissão de logógrafo/antidógrafo (uma espécie de advogado nos dias de hoje). Acusação e defesa possuiam o mesmo tempo — contado por uma ampulheta — para discursar. As técnicas de retórica e oratória foram técnicas muito presentes na época.

2 Conclusão: Direito na Grécia Antiga

Por meio de atos legais, pela primeira vez na história o individualismo interfere sobre o pensamento jurídico, afirmando o estatuto da individualidade tanto do ponto de vista criminal (pressuposição de voluntariedade individual no ato do delito, sem interferência de fatores sobre-humanos), quanto penal (direitos assegurados de defesa, procedimentos públicos padrões de acusação, penas não extensivas a familiares e descendentes, penas capitais praticadas pelo suicídio induzido). (Gernet, 1917: 253–277;)

Na Grécia é que brotou o sentido da universalidade da justiça e que o Direito é coisa pública , devendo ser controlado pela comunidade. O Direito Romano foi seu herdeiro, mas apresenta diferenças em relação ao direito grego, que será tratado num próximo artigo.

“Apesar de tudo o que os opõe no concreto da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político, como unidades permutáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, cuja norma é a igualdade.”

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