Imunidades no Direito Penal

O que é e quais são as imunidades presentes no ordenamento jurídico brasileiro?

Bárbara Ronsoni de Oliveira
Bárbara Ronsoni
6 min readFeb 9, 2021

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Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

As imunidades são prerrogativas de função concedidas a certos cargos, isentando as pessoas que os exercem de ser julgadas normalmente pela lei penal (ou mesmo civil). São aceitas, na legislação pátria, as imunidades diplomáticas e parlamentares.

Imunidades diplomáticas

De acordo com o Decreto nº 56.435/65, a imunidade diplomática constitui exceção ao princípio da territorialidade temperada (art. 5º), e é uma causa de exclusão de pena. Além dos próprios diplomatas, suas famílias, e funcionários das organizações internacionais têm imunidade. Os funcionários dos diplomatas, contudo, não têm a mesma imunidade, embora não se impeça tratado dessa natureza. Os cônsules e agentes administrativos, por sua vez, têm apenas imunidade administrativa e judiciária pelos atos realizados no exercício da função, diferente dos agentes diplomatas e suas famílias.

A Convenção de Viena Sobre as Relações Diplomáticas (ou o Dec. 56.435/65) dispõe o seguinte, em seu Artigo 31:

1. O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:
a) uma ação real sôbre imóvel privado situado no território do Estado acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditado para os fins da missão.
b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a titulo privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário.
c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais.

Imunidade parlamentar

A imunidade parlamentar é uma prerrogativa do Parlamento para que os parlamentares exerçam livremente sua função, sem intervenção de poderes que tentem calar ou neutralizar a participação política. É uma prerrogativa que não se estende a mais ninguém, além do Parlamentar (não se estende a sua família ou alguém que ele nomeie), pois é relativa ao Parlamento como expressão da vontade popular, não pertence à pessoa do parlamentar. São duas as espécies de imunidade de que gozam os parlamentares: materiais e formais.

A imunidade material (ou absoluta) confere aos parlamentares a inviolabilidade da manifestação por seus votos, opiniões e palavras (no exercício do mandato). A imunidade do parlamentar inicia com sua diplomação e encerra no término do mandato. Confira os dispostivos constitucionais:

Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
VIII — inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município; [CF/88, grifos meus]

A imunidade formal ou processual refere-se à prisão, ao processo e julgamento. Os deputados estaduais têm o mesmo direito (cf. infra), enquanto os vereadores só possuem imunidade material. Enquanto a imunidade material exclui determinadas pessoas da incidência da lei penal, a imunidade formal determina que, para ser processado, o parlamentar (federal ou estadual) é submetido primeiro ao exame da respectiva Câmara, e só com sua licença poderá ser alvo de processo criminal. Se a Câmara não autorizar a instauração do processo, a prescrição é suspendida.

Na Constituição:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I — processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

No Código de Processo Penal

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

Repetindo, sobre os Deputados Estaduais, diz a CF:

Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

Assim, os Deputados Estaduais têm a mesma imunidade dos Parlamentares Federais, que a depender da Constituição Estadual, deverão ser julgados pela Justiça Estadual, isto é, o Tribunal de Justiça do Estado do respectivo Deputado, resguardadas as competências da Justiça Federal para julgar os crimes praticados contra bens, serviços ou interesse da União, a ser julgados no respectivo Tribunal Regional Federal, conforme a CF:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV — os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Também o STF:

“O TRF é competente para processar e julgar ação penal em que se imputa a deputado estadual a prática de crimes conexos a delitos de competência da Justiça Federal”. [HC 91.266, rel. min. Cezar Peluso, j. 2–3–2010, 2ª T, DJE de 23–4–2010.]= HC 80.612, rel. min. Sydney Sanches, j. 13–2–2001, 1ª T, DJ de 4–5–2001.” “Deputados Estaduais gozam das mesmas imunidades formais previstas para os parlamentares federais no art. 53 da CF/88” (Informativo 939 do STF)

A inviolabilidade material “acarreta a atipicidade da conduta e a imunidade impede o desenvolvimento do processo e suspende a prescrição”¹. A imunidade também é chamada de foro privilegiado. Resta lembrar que a inviolabilidade faz com que não só fiquem livres os parlamentares da lei penal, mas também da lei civil, razão pela qual é juridicamente impossível submeter um parlamentar a um processo por danos morais e materiais decorrente de ato feito em exercício do mandato.

Quando um parlamentar se afasta para trabalhar na Administração Pública, ainda que mantenha o foro privilegiado (imunidade formal), não possui inviolabilidade material. Ademais, para caracterizar inviolabilidade material, é necessário que o ato cometido esteja em nexo funcional ao exercício do mandato. O Parlamento não pode suspender uma investigação, mas cabe a ele, por maioria, sustar processo criminal já instaurado. Resta afastada toda modalidade de prisão provisória.

Referências bibliográficas

¹ BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. p.91.

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