Compromisso e Responsabilidade

Coletivongunzo
RevistaNgunzo
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3 min readJul 4, 2022

Por Lucas Limeira

Esse puxão de orelha é pra todos nós. Do início de abril até agora, no final de junho, as formações do Coletivo Ngunzo (Teatro na Porta de Casa) buscaram refletir nosso Compromisso e Responsabilidade enquanto indivíduos e enquanto coletivo, o nosso compromisso com nosso projeto político, com nosso povo. Muito pudemos perceber, nossos pontos fortes, pontos fracos e pontos que ainda temos um longo caminho a traçar.

Como pessoas negras, sabemos o que é tá no corre o tempo todo e mal ter tempo pra descansar. Correr atrás de grana, um tem dois empregos, outra trampa nos dias de descanso do trabalho, quando pensa que vai ter um alívio, bumba, uma obrigação espiritual, demanda tempo, compromisso, disposição. A cabeça acompanha o cansaço do corpo e muitas vezes surta por não dar conta da rotina puxada demais, eu sei bem.

É tanta coisa que em cada brecha de tempo tentamos descansar, falar besteira, dar uma paradinha na rotina corrida. O tempo que temos juntos pode e deve ser um tempo de cuidado um com o outro, mas é preciso ter muita atenção aí. Uma angústia que tem me acompanhado nos últimos dias é a facilidade que temos de deixar nossas questões em segundo plano e usar nosso espaço pra resolver as outras mil questões.

O cansaço é uma dessas questões. Já parou pra pensar que querer descansar na hora da reunião é querer resolver o problema (cansaço) do outro compromisso no horário do Coletivo? Isso atrapalha o foco, a concentração, o compromisso, a disposição. E ai vai um aviso (especialmente pra mim): O descanso precisa ser planejado, ele não pode estar nas brechas de tempo, ele precisa ter seu tempo, ou ele toma o tempo de outra coisa. Esse é um dos pontos que temos atentado pra não falhar enquanto coletivo.

O Coletivo Ngunzo está crescendo, expandindo. É tanto que ele já não cabia dentro do nome Teatro na Porta de Casa. A gente tem deixado ele crescer, alimentando ele com nosso tempo, com nossas habilidades, com nossos sonhos. Atualmente temos cinco projetos que existem, que estão caminhando e crescendo, que foram desenvolvidos por nós. O Coletivo está exigindo da gente compromisso, tal qual um emprego do mundo branco nos exige, a diferença é que o retorno aqui não é individual, é coletivo.

Alimentamos o coletivo e já vemos retornos. Talvez não o ideal, mas o necessário para, nesse momento, nos mantermos firmes, dispostos e disponíveis. A relação espiritual está aí, em alimentar. Estamos alimentando o grupo com o nosso melhor? Acho que aqui cabe uma reflexão sincera para todos nós comprometidos com a emancipação do nosso povo. O tempo tá apertado, a disposição tá difícil, o cansaço é constante, os compromissos não param de surgir, MAS ESTAMOS DANDO O MELHOR QUE PODEMOS DAR NESTE MOMENTO PARA O COLETIVO? ESTAMOS DISPONÍVEIS PARA O COLETIVO COMO ESTAMOS PARA OUTROS PROJETOS EM NOSSA VIDA? QUAL O LUGAR DE PRIORIDADE DO COLETIVO PARA CADA UM?

A partir das formações e da leitura do livro “O Panafricanismo” vimos alguns dos princípios que um panafricanista deve carregar: o amor-próprio, a união do povo preto, a unidade cultural da África preta, o amor eterno, o egoísmo essencial para a sobrevivência e o não medo. Mas antes de tudo isso é preciso ter compromisso e responsabilidade consigo e com seu povo, com a espiritualidade (já conversamos sobre o compromisso com Exu e com Tempo).

Esse puxão de orelha é pra todos nós. É motivado pelo amor eterno que sinto pelo meu povo. É motivado pelo que sonho para nós, pelas angústias que sinto em mudar, melhorar, me autocriticar. É motivado pela trajetória dos nossos ancestrais Marcus Mosiah Garvey, Malcom X, Kwame Ture e todos nossos irmãos, exemplos de responsabilidade e compromisso, que deixaram contribuições extremamente necessárias e que devem ser honradas a partir das atitudes que temos hoje.

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