Conceição Soares
RevistaNgunzo
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2 min readMay 3, 2021

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EM BUSCA DE UM TEATRO NEGRO PAN-AFRICANO

Quais as referências artísticas que nos move? Inicio compartilhando um questionamento que me faz parar para refletir durante horas. Quando questionamos as nossas referências e os motivos que nos movem enquanto artistas negros, podemos entender se o nosso modo de vida está voltado para a emancipação do povo preto ou para conquistas individuais. É comum que muitas pessoas consigam separar sua vida profissional da vivencia pessoal. Particularmente, não consigo, e também, não acredito que esse seja um caminho para nossa emancipação. Abdias do Nascimento em Quilombismo (1980) nos diz muito sobre a importância de tornarmos as culturas africanas e negras como instrumento de luta, como elementos fundamentais de nossa libertação. Precisamos descobrir, o quanto antes, como construir um teatro negro pan-africanista e torna-lo nossa ferramenta criativa de emancipação. Como construir um caminho de autonomia e liberdade se o que sei fazer de melhor não é em prol do meu povo? Descolonizar nossa mente, nosso intelecto e principalmente, nosso Orí é importante, é urgente.

Acredito que nada acontece de um dia para outro. As mudanças são, na verdade, um movimentar do amadurecimento e de início é comum se deparar com a sensação de não saber o que fazer ou como fazer. Muito desse medo é causado pela falta de referências e pela ausência de vivencias práticas com as culturas, ciências, filosofias e artes pretas. Quando mudamos nossas referências, mudamos nosso ponto de partida e, consequentemente, o ponto de chegada. O que quero dizer com tudo isso: só conseguiremos nos aquilombar e construir nossa autonomia quando nossas referências práticas e teóricas não forem mais brancas.

Nós, povo preto, somos um povo muito rico. Criamos a filosofia, a medicina, a agricultura, o teatro, e tantas, tantas outras coisas. Temos muitas referências, mas infelizmente não conhecemos nem a metade. Precisamos despertar do coma branco, e começar a construir nossa realidade e vivência preta. Precisamos ouvir mais o que nossa ancestralidade nos ensina, e eu sei, não é fácil. Mas é necessário. Podemos aprender com cada erro e acerto dos que vieram antes de nós. Assim como Ogum, precisamos enfrentar nossas guerras usando sempre nosso poder, sabedoria e criatividade, precisamos agir. “Ogum é aquele a quem pertence tudo de criativo no mundo. ” Que possamos aprender com nosso ancestral a usar a criatividade em favor do nosso povo. Que façamos mais teatro preto, referenciado e pan-africanista.

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