Greve dos Jangadeiros: Revolta ou Integração?

Lucas Limeira
RevistaNgunzo
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3 min readAug 30, 2021

Neste ano completam-se 140 anos de um dos momentos mais marcantes da História dos negros e negras no Estado do Ceará. O momento que falo é conhecido como Revolta ou Greve dos Jangadeiros, dividida em dois episódios ou paralisações; o primeiro ocorreu em 27, 29 e 30 de Janeiro de 1881, liderado por José Luiz Napoleão e Maria Simôa da Conceição — conhecida popularmente como Preta ou tia Simoa; e o segundo em 30 de Agosto de 1881 e foi liderada por Chico da Matilde, para os mais chegados, vulgo Dragão do Mar.

Dos dois momentos descritos acima, o que mais sabemos, nem que seja só um pouco, é o segundo momento e o sucesso da revolta liderada por Dragão do Mar. Pouco sabemos ou procuramos saber sobre a primeira paralisação e sua importância. Hoje em dia temos várias pesquisas que contam sobre a relevância desta paralisação, no entanto, não estamos aqui para apenas rememorar esta memória tão crucial para os negros e negras cearenses, ou melhor, fortalezenses, pois a negrada do interior do Ceará pouco sabe ou nada conhece sobre essa revolta e muitas vezes o Movimento Negro do Ceará reduz o Ceará à Fortaleza, um grande erro colonizante. Mas enfim, deixemos isso para depois.

O que nos interessa em pensar sobre essa revolta é a sua importância prática para nós nos dias atuais, pois o que vemos todo dia são apenas louvores a essa época gloriosa de revolta, eventos sendo feito e tudo mais, mas em nenhum momento vemos ações reais que de fato honrem o que foi realizado anteriormente. Apenas o mesmo blá, blá, blá que até branco participa com voz e tudo, coisa que acreditamos que foi um erro da nossa dita Revolta, pois o movimento abolicionista branco tomou de conta de nossa narrativa e liderança. Dê fé, foi por isso que José Napoleão não quis participar desse segundo momento, deu a liderança ao Dragão Mar, que era mais integracionista do que José Napoleão e Preta Simoa.

O nosso GRANDE ERRO é sempre confiar nossas coisas aos brancos, nossos movimentos só acontecem se tiver branco, nossos eventos, capoeira, umbanda e candomblé, enfim, tudo tem branco no meio porque eles são intrometidos mesmo e também porque a gente permite e quer ver ele batendo palma. Por que não fazer que nem no Haiti? Esfolar e expulsar todos brancos, já que eles são a causa da nossa desgraça. Pra que querer a causa da nossa desgraça por perto das nossas coisas? Não dá pra entender, só se for pra ganhar uma batidinha na cabeça mesmo.

Assim, o que fazemos com a memória da Revolta? Memória só é viva quando se vive ela e viver é fazer alguma coisa e enxergar os erros que foram cometidos para não se cometer mais. Pensa bem, imagina aí se a Revolta não tivesse nenhum branco envolvido e ela ganhasse ainda mais força, quem sabe teríamos algo muito melhor do que uma abolição fajuta assinada por brancos que só trocou uma desgraça pela outra. Porque mesmo com a revolta, os brancos arrumaram um jeito de nos escravizar e continuar mandando preto e preta da província do Ceará para outras partes do Brasil, e nessa época o Ceará era o epicentro do tráfico de negros e negras escravizados para o resto do país. Eles não pararam de arrumarem nosso desgraça, até hoje só o que tem é branco pagando de amigo de negro utilizando ele como escada e palanque para suas branquices e consciência sem culpa racial. O psol tá cheio desses ai e o PT nem se fala.

E a integração continua ai nos ditos movimentos negros do Ceará, que não fazem nada sem aval de branco. Seria muito melhor se fossemos mais como José Napoleão, Preta Simoa e Jean Jacques Dessalines, que se foda os brancos, a nossa preocupação é libertar os nossos e fazer com que a escravidão acabe.

Enfim, nunca é tarde para fazermos mais do que já foi feito, para nos tocarmos e sermos donos não apenas de memórias, mas de territórios e nação. Que a greve não se torne apenas uma memória, mas um lembrete: Que no Ceará não queremos mais integração.

Texto de Chicoerik

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Lucas Limeira
RevistaNgunzo

Ator, membro fundador do grupo Teatro na Porta de Casa e da Revista Ngunzo