Meu amigo branco
Por Gabe Antunes
Mas eu tô aqui pra aprender”; “Você me ensina muito”; “Por isso eu gosto de conversar com você”
Com que frequência escutamos essas frases?
Não é de hoje que vemos o padrão do negro educador. Estar inserido em uma sociedade miscigenada nos traz uma função indesejada. Desde quando isso acontece?
Se analisarmos minuciosamente, estamos ainda carregando uma herança: congregar para ser visto. Desde a abolição da escravatura vivemos o famoso “quem não é visto não é lembrado” sem perceber que nosso esquecimento é independente de ser visto ou não, contando que ele já é predisposto. A busca incessante pela aceitação nos levou ao apagamento de nossas histórias, relevância de ancestrais, nossos costumes e tudo muito bem “higienizado” para fazermos parte de uma sociedade “sem cor nem raça”.
Perceber isso com certeza não é fácil. Estar rodeado de pessoas brancas hoje em dia está no nosso sangue. Não se trata apenas de um amigo, um professor. As vezes estamos falando de pais, mães, avós e etc. Estamos enlaçados a uma sociedade que nos ensina a esquecer de nós mesmos a favor deles. E, que estejamos livres dessa sociedade que nos enlaça até demais. Somos colocado em um pedestal de tal forma que nossas dores, conquistas, erros e acertos são tópicos e pauta para discussões completamente embranquecidas.
Vivemos aqui, na cidade de Fortaleza, onde temos peças que falam sobre a dor e a tragédia do corpo negro… com a percepção branca. Nos prestamos a editais que usam da nossa fonte de histórias, nossas peças, músicas, performances, nossa arte em geral… para entretenimento branco. Estamos inseridos em sistemas que dizem ser inclusivos, mas com inúmeras pessoas brancas por trás. Pode-se dizer até que a diversidade é vasta em vários setores culturais da cidade, mas sempre tem uma grande mão por trás patrocinando, mandando e desmandando em tudo: a mão branca. O que começa inofensivo, termina sempre em: estamos a serviço dos brancos.
Não me entenda mal, não estou condenando aqui as relações com pessoas “sem cor”. É genuíno o que sentimos pelas pessoas que jamais vão entender o que é estar na pele de um preto. Mas, é preciso cautela: você não vai compartilhar sua dor, apenas seu relato. O acolhimento do preto com os seus traz pertencimento e proteção. É entendendo sua história e de seus antepassados que vemos nossas relações ainda fortes com nós mesmos. Vai para além de sangue, é espiritual.
É possível amar e estar perto de pessoas que não fazem parte da tua raça, com tanto que entenda qual sua função como amigo. Você com
certeza é muito mais do que sua raça e tem qualidades ímpares que te fazem uma pessoa espetacular que as pessoas queiram por perto, mas você sempre será preto. Não deixe que isso se apague apenas para estar perto de pessoas que não enxergam cor, enxergam “ser humano”. Se deixar levar por esse papo no país que mata mais de 1 preto por dia é achar que você faz parte de algo que literalmente te destrói.
Se construa para além de ideias, mas entenda suas bases. Seja humano, seja sincero. Seja preto.