O CORPO QUE TUDO PODE: corpo negro e o abuso sexual

Coletivongunzo
RevistaNgunzo
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2 min readNov 15, 2023

Por Pipa Leiga

Quando estava pensando no que iria escrever para a revista essa semana (meu primeiro texto aqui, diga-se de passagem) lembrei de uma música que escrevi há um tempo, uma que falava de amor.

Na verdade sobre a falta dele.

A música começava mais ou menos assim:

Faz parte do meu andado/

Tentando não deixar rastros/

Conto nos dedos quem já me amou/

Será que um dia senti o sabor que é /

Amar é ser amado?/

O sonho mais besta dos acordados/

Nós preto é tipo pararaio/

Atraindo as mazela desses otários.

Logo lembrei de como é fácil pro preto confundir violência com amor.

Como dar nome e forma a algo que nunca recebemos de fato?

A música terminava com o seguinte verso:

Como é solitário ser preta/

Nesse mundo cheio de caretas/

Viradas pra mim.

Essas caretas estão dentro de casa, atravessando a calçada pro seu lado da rua, dentro do ônibus, no metrô, no trabalho, no lazer.

A questão do abuso sexual, esse grande elefante na sala, fez parte da minha vida desde muito nova e só agora, depois de muita terapia, choro, autocuidado e tomada de consciência, consigo enxergar o tal elefante pelo prisma do racismo.

Muito doloroso pensar (e me esforço pra continuar achando isso tudo um grande absurdo) que todas as mulheres e pessoas pretas com quem conversei sobre já haviam sofrido algum tipo de abuso sexual. Nossos corpos mais uma vez colocados nesse lugar.

Quantas vezes nós já não lemos ou ouvimos falar sobre a objetificação do corpo do negro?

Quando decidi escrever sobre o tema muito me passava a cabeça como eu iria, de alguma maneira, amenizar as dores que esse tipo de violência causa à nós através desse texto.

A verdade é que eu não tenho e nem terei uma grande receita de superação ou qualquer tipo de analgésico ou anti-inflamatório pra esse tipo de ferida. A minha, ainda que cicatrizada, me causa dores de vez em quando.

Então decidi escrever só pra registrar que estou viva, muito bem e obrigada! Demorei, mas entendi que meu corpo é sim o que eu tenho de mais valioso e que ele pode de tudo.

Enquanto mulher negra procuro sempre me manter alerta e principalmente revoltada com esse e qualquer outro tipo de racismo.

Citando novamente uma música, vai aqui os versos que mais amo na música P.U.T.A da banda Mulamba:

E foda-se se me rasgar a roupa/

Te arranco o pau com a boca/

E ainda do pra tu chupar/

Pra ver como é severo o teu veneno/

Faço do mundo pequeno/

E que Deus permita me vingar!

Porque eu vou me vingar, malandro. Eu vou me vingar!

Porque eu vou me vingar, malandro. Eu vou me vingar!

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