Chicoerik
RevistaNgunzo
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3 min readJun 29, 2021

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O QUE PRECISAMOS É DE ARTISTAS GUERREIROS!

“Nkosi biole sibiolala

Nkosi biole sibiolala

Nkosi biole sibiolala

Eme kajamungongo,

Nkosi biole sibiolala

Eme kajamungongo…

Nkosi biole sibiolala.

Nkosi, assim como Ogum, é relacionado com a tecnologia, criatividade, ferro e a guerra. Todas essas coisas são necessárias na vida e não vivemos sem nenhuma delas, em especial, a criatividade, que é aquela que está associada com o processo de criação e a arte. A arte preta (Afrikana) em nada se assemelha a arte ocidental, pois diferente da arte branca ocidental, que não admite que sua arte também é guerra, os pretos veem na arte uma expressão de luta. Um artista é um guerreiro, defende aquilo que cria e cria em vias de um povo, de uma comunidade e a defende…

Os artistas pretos desde sua antiguidade não produziram arte apenas por produzir arte, algo meramente contemplativo para ficar olhando sem nada poder fazer com aquilo, sem para nada servir. A arte estava a serviço do povo, a serviço da comunidade. Os keméticos não construíram pirâmides, pinturas e inúmeras obras artísticas por um valor estético; os povos bantus e iorubás não compuseram inúmeros louvores aos seus ancestrais, tambores, roupas, pinturas, ferro, etc, somente por um valor estético. O valor principal sempre foi o da comunidade, a manutenção da comunidade. A função do artista é de um guerreiro que defende e elabora arte.

Deste modo, a nossa arte é uma arma poderosa demais para entregarmos em favor dos brancos. Devemos lutar com as armas que criamos, que são nossas. Essas são as mais poderosas, por isso devemos usá-las com muita sabedoria. Por isso precisamos pensar: Qual tem sido a minha função dentro da comunidade? Como eu posso contribuir com a minha comunidade por meio da arte? A arte que produzo pode de fato servir a comunidade? Precisamos nos questionar diariamente sobre isso. Pois ao trazermos questões raciais para o palco estamos também assumindo responsabilidades com o povo preto. Não adianta dizer que sente orgulho de seu povo, se o seu povo não sente orgulho de você.

Trazendo essa visão para a arte conhecida como teatro, arte que já existia desde o antigo Kemet; Como poderíamos fazer um teatro que finda em si se o nosso corpo é coletivo? Como poderíamos aceitar o discurso de que o teatro não tem função ou não precisa ter função quando a comunidade precisa de todo o potencial lúdico, informativo e de presença que essa arte tem?

Assim como Nkosi, Ogum e nossos ancestrais, devemos usar o que temos da melhor forma para contribuir com a comunidade. O teatro, a arte e o nosso corpo também são/serão armas para a guerra que travamos dia após dia. De nada nos serve uma arte que não nos ensina a cuidar de nós, dos nossos. De nada nos serve uma arte que não nos serve, que é apenas ilustrativa, contemplativa e, principalmente, de nada nos serve artistas que não sabem guerrear, artistas que não são guerreiros. Seremos sempre derrotados se não praticarmos e elaborarmos artes de defesas e ataques. A capoeira, hoje considerada uma dança, é primordialmente uma arte de luta e resistência, o rapper, com sua influência dos griots, é uma arma que diz e ataca, o maracatu, os terreiros… Tudo o que é nosso deve ser nosso, apenas isso.

A cantiga de capoeira apresentada no início do texto significa “O guerreiro dá risada quando vence”. Será que estamos rindo ou chorando?

Imagem: Tall Papa Ibra

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Chicoerik
RevistaNgunzo

Panafricanista, filósofo e integrante da revista Ngunzo do grupo Teatro Na Porta de Casa.