Orgulho pra quem?

Gabe Antunes
RevistaNgunzo
Published in
4 min readJul 24, 2021

Tenho lutado por algum tempo em escrever esse texto. Talvez por medo, por não entender a necessidade dele, ou até por desmotivação. Mas, nessa edição da revista, é preciso entender que tipo de política nos compete e nos protege e, uma coisa é certa: o movimento LGBT+ não é um ambiente político, muito menos protetor, para pessoas pretas.
Passado o mês do orgulho, da dita “visibilidade LGBT+”, me pergunto quantas pessoas pretas que fazem parte do movimento se interessaram em saber um pouco mais sobre autocuidado, proteção do povo preto e sobre afrocentricidade. A resposta é fácil de imaginar, tendo em vista que nenhum dos tópicos que citei são mostrados dentro do movimento. Tudo virou uma grande tentativa de compra e venda, de mostrar que “somos todos iguais através do amor” — discurso esse que só tem validade até o momento que você vai amar uma pessoa preta. É mais um movimento tomado por gente branca (e quando falo gente branca, eu falo de gente branca de todas as siglas existentes no LGBT+) que nos tira do lugar de raça e nos coloca no lugar de gênero, orientação sexual e sexualidade.
Eu mesmo, quando criança, sofria em um dia dizer aos meus pais que era gay. Tinha medo da represália, de como a sociedade iria me ver e de como eu iria me encaixar. Se eu soubesse que, durante minha vida, sofreria muito mais por simplesmente ser preto, teria me assumido negro muito antes. Essa questão de nos resumir a uma orientação sexual, no meu caso que sou um homem que sente atração por outros homens, nos tira a capacidade de entender que existe uma grande diferença em ser um membro da sigla LGBT+ e de ser um negro membro da sigla LGBT+. Esse movimento não nos quer nem nunca nos quis.
Podemos começar pelo fato de o mês do orgulho, junho, só ser comemorado nesse mês por causa da ativista negra e transsexual, Masha P. Johnson, que lutou para ser reconhecida e respeitada. Percebam que Marsha, antes de ser trans, antes de ser até artista, era preta. Ela lutava por políticas que a fizessem visível na sociedade daquela época. É importante analisar o fato de que Marsha e outra pessoas pretas, passavam pelo apartheid nos Estados Unidos, coincidentemente “encerrado” um ano após a resistência em Stonewall. Não adianta pensar que LGBT+’s brancos e negros se reunião como um só naquela época, por que existia um abismo que os separavam, por mais que existissem características que os unissem: o abismo da segregação racial. Enquanto LGBT+’s brancos lutavam para terem emprego, direito de voto e visibilidade, LGBT+’s negros ainda lutavam para andar na rua, para beber água, para subir em um ônibus sem o peso de serem colocados em outro lugar, simplesmente por causa de sua cor. A luta por sobrevivência foi/é notória! Hoje nos deparamos com esse discurso de que todos merecem lugar no mundo, quando na verdade não se fala que esse “todos” se referem a pessoas brancas. São sempre dois pesos e duas medidas. A revolta liderada por uma travesti negra se resumiu rostos brancos estampados em todos tipos de campanhas, em uma luta que “acolhe” pessoas brancas, quando essas mesmos nunca nos acolheram. A cultura negra, que é o berço do famoso “ballroom” retratado na série Pose (onde 90% do elenco é preto e transgênero), hoje em dia se resume a união de raças dentro daqueles espaços. Toda nossa cultura, nossos costumes, novamente, nos foi tirado e dado ao protagonismo branco.
Você deve estar pensando em como fui radical, que você, branco, tem amigos pretos que você ama muito e que você, preto, tem amigos brancos que jamais fariam com você o que os ancestrais dele fizeram com os seus. Mas a questão aqui é: quando você passa por uma discriminação racial, o que seu amigo branco vai poder te ajudar? As políticas defendidas por ele não lhe competem! Não existe meio judicial protetor que faça você se sentir acolhido, como acontece com eles… aqui no Brasil por exemplo, o crime de LGBTfobia é classificado no mesmo lugar do crime de raça. Isso não te diz nada?
Porque eu, preto, me sentiria protegido por uma lei que protege raça e orientação sexual/gênero, quando a maioria das mortes de LGBT+’s neste país são de pessoas pretas? Aonde está a política de ressocialização de pessoas LGBT+’s pretas que vivem em situação de rua? Por que nós vemos a maioria de travestis e transsexuais universitárias sendo brancas? Vocês já se perguntaram por onde andam as travestis pretas quando não estão nas ruas?
Só quem sente na pele pode ajudar quem sente na pele. É preciso de uma rede de apoio de pessoas que vão entender o que você passou e PORQUÊ você passou por isso. Não estou aqui para dizer que a segregação racial é a solução, mas apenas para certificar de que você, preto, precisa entender que por mais que você tenha entes queridos brancos, eles não vão ajudar você a solucionar o problema racial do mundo. A união do povo preto é pelo nosso bem, nosso cuidado, nossa história.

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