Pensando o Teatro Negro do Grupo Teatro na Porta de Casa

Coletivongunzo
RevistaNgunzo
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2 min readMay 30, 2023

Por Lucas Limeira

Não sei se vocês sabem, mas o Teatro na Porta de Casa está em processo de montagem de um espetáculo de teatro para as crianças, pros nossos erês pretinhos. Como é prazeroso e ao mesmo tempo difícil esse processo de criação. Muitas vezes nos pegamos analisando toda a nossa prática com um olhar de insegurança sobre essas temáticas, pensando em como é uma responsabilidade levar temáticas importantes para a construção racial desses que são o futuro do nosso povo.

Uma das primeiras questões que trouxemos a esse trabalho, e que já vem sendo um debate constante dentro do Coletivo Ngunzo e do setor artístico/teatral do coletivo que é o Teatro na Porta de Casa é como podemos desviciar nosso olhar artístico do que é branco, de tudo que aprendemos em nossa formação artística acadêmica, toda as referências europeias que aprendemos e como podemos virar nosso olhar para nós mesmos, para as nossas práticas culturais e artísticas negras.

Junto à essa reflexão vem a insegurança de fazer algo que não chegue, que não atinja o público esperado, algo ruim, algo maçante. Mas de quem será que estamos esperando essa aprovação, essa validação? A cena teatral não-negra de Fortaleza com certeza tem uma autoestima delirante que alimenta uns aos outros com termos técnicos eurocentricos e falas rebuscadas que pouco contempla e não traduz a realidade do que é ser artista e negro na cidade de Fortaleza. É deles que estou esperando aprovação?

Por outro lado os grandes cientistas do nosso povo, os sacerdotes de terreiro, os mestres de cultura, os irmãos do movimento que se movimentam, os artistas pretos tem muito a contribuir com sua sabedoria do dia a dia, com seu fazer e sua generosidade em compartilhar conhecimento. Aprendemos e crescemos muito com essas contribuições e elas nos interessam muito mais. É através dessa troca que superamos um sentimento de insegurança. Nesse local uma crítica se torna nosso maior instrumento de criação, afinal estamos criando, mexendo e mudando o trabalho a partir do nosso olhar de comunidade.

O olhar da criança negra, a forma como o corpo dela reage e interage com espetáculo, observar isso também nos ensina muito. Na verdade, nossas crianças são nossas maiores mestras. Nessa troca aprendemos e ensinamos quase que na mesma proporção. A energia das crianças, a facilidade como elas acessam a espiritualidade e a fantasia que a arte cria é sabedoria e combustível para o nosso fazer.

Essa reflexão vem sendo construída pelo Teatro na Porta de Casa como um compromisso que assumimos com nosso povo. É através da organização que conseguimos pensar e produzir nossas narrativas. De nós para nós.

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