Quais são as brincadeiras que nossas crianças estão aprendendo?

Chicoerik
RevistaNgunzo
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2 min readOct 1, 2021

Começo com um questionamento que há tempos me incomoda e vou explicar o motivo. Lembro que durante minha infância não tive muitos brinquedos, o que eu tinha era uma terreiro enorme com muitas árvores e muita mata cercando tudo, então cresci subindo em árvores, me aventurando nos roçados e criando diversas histórias com minha irmã. Quando minha irmã e eu íamos passar o dia com nossos primos era um dia inteiro de brincadeiras e nenhuma delas precisava de qualquer eletrônico. Estou contando tudo isso para retornar aos questionamento do início do texto.

Quais são as brincadeiras que nossas crianças estão praticando, criando? É importante pensarmos nisso, pois muitas das brincadeiras que fizeram parte da nossa infância foram ensinadas por algum mais velho da nossa família ou próximo a nós e essas brincadeiras deixavam a nossa mente ativa, aquecida e hoje temos uma geração inteira de crianças viciadas em vídeos de outras crianças brincando no YouTube.

A nossa geração tem cometido muitos erros em relação à nossa comunidade, ao povo preto. Mas um dos piores erros é em relação às nossas crianças, nossos Erês. Estamos criando crianças negras viciadas no comodismo, na realidade virtual e na preguiça. Como construir uma organização se estamos ignorando as vivências dos nossos pretinhos? Agora, uma questão que me incomoda mais que a alienação são as crianças que não tem o direito de brincar, porque estão ocupadas demais trabalhando nas ruas, cuidando de crianças brancas e muitas de nossas crianças têm o direito de viver arrancado antes mesmo de vir ao mundo.

Como nosso povo ainda permite que isso aconteça? De um lado temos crianças presas nas telas digitais tomando como referências crianças e modelos de vida brancos. Por outro, crianças que não podem se dar ao luxo de brincar, pois estão trabalhando para sustentar suas famílias. Estou falando sobre isso tudo para lembrarmos que a responsabilidade pelas crianças pretas é nossa, povo preto. Precisamos aprender como as nossas crianças tanto quanto precisamos ensinar. Se não nos responsabilizamos, os brancos dominam e estragam. Precisamos estar presentes nas brincadeiras, no cotidiano, nas quedas e pequenas conquistas. A genialidade das crianças pode salvar as nossas vidas, mas para isso precisamos lembrar quem somos e entender que nosso povo só dará bons frutos quando parar de separar os galhos do tronco, crescemos juntos em uma troca constante de vida.

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Chicoerik
RevistaNgunzo

Panafricanista, filósofo e integrante da revista Ngunzo do grupo Teatro Na Porta de Casa.