Qual a sua reza?

Ana Karoline de Oliveira
RevistaNgunzo
Published in
4 min readApr 28, 2021

Das lembranças de minha infância, das coisas que fazia dentro e fora de casa, uma das mais pungentes, com certeza, é a presença da crença e dos hábitos relacionados com as rezas em casa.

Minha mãe, até os dias de hoje, tem em sua casa o seu altar com as imagens de santos e as práticas com as velas, as promessas, as novenas e os rosários. Ela também sempre me disse: “você nasceu às 15h, horários que Deus não nega nada a ninguém”. Sendo coincidência ou não, esse é o horário do terço da misericórdia.

“Pela sua dolorosa paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro”

Mas, ainda nova, comecei a me afastar de qualquer crença ou possibilidade de que pudesse existir algo maior que nós. A rebeldia adolescente não permitia a crença de que era preciso estar em relação com algo que não podíamos ver ou tocar ou ouvir, deveria sentir. “Como é isso?”, eu me perguntava sem poder achar uma resposta real a essa questão. Talvez porque ela não necessariamente precise existir.

Se estou bem hoje em dia? Talvez porque minha mãe reze por ela e por mim. Contudo, também chega o momento em que aprendemos que devemos botar o nosso na roda, são as nossas energias que atraem ou repelem. É o nosso hálito de jejum na reza da manhã que pode ir além de nós e retornar mais forte que qualquer um. E foi também nesse instante que comecei a refletir qual então deveriam ser as minhas rezas, quais seriam as minhas orações, quais palavras iria escolher para os meus pedidos.

Pois não tem outra: a ancestralidade chama! E ela vem de uma forma sutil mas que gera grandes mudanças no dia a dia. E foi também, através da minha comunidade Teatro na Porta de Casa, que descobri um outro fato interessante sobre o meu nascimento. Nasci no dia 17 de dezembro, dia de São Lázaro. Logo lembrei de quando era criança e tinha muitas verrugas na mãe e minha mãe fez uma promessa para São Lázaro. É possível dar um significado a isso? Talvez existam muitos, pode ser que não haja nenhum. Logo entendi a relação entre São Lázaro e Omolu, orixá das doenças e da cura. Quem sabe Omulu sempre esteve comigo assim como São Lázaro também. É uma dualidade que perpassa duas formas de espiritualidade: católica e afrikana. A gente sabe o quanto o sincretismo foi/é cruel porque deturpou/a e até apagou/a muita coisa da nossa ancestralidade e hoje entendo a crueldade do sincretismo, mas também compreendo o quanto da nossa ancestralidade circula na população por outra forma, como a sabedoria espiritual de fazer uma promessa com São Lázaro que fala mais sobre Omulu do que São Lazáro e dentro dos próprios terreiros de Umbanda e Candomblé. Precisamos cada vez mais acentuar que Orixá não é santo, pois São Lazáro não é Omulu, quem sabe tenham alguma relação por conta da tradição, mas uma coisa não é outra e fazer isso é cruel. Perceber isso em uma pandemia faz algum sentido? Nossa circularidade dirá. E ela nos diz que é hora de assumirmos uma postura que leve em conta a importância de nossa espiritualidade no dia a dia, assim como minha mãe faz.

Carybé/Superinteressante

Por meio disso, hoje percebo a importância de pôr o meu na roda, minhas palavras, meus conhecimentos, meu tempo, minha energia, meu axé e a minha arte. Penso como esse último não se separa dos demais. Enquanto grupo, da mesma forma que refletimos nossas palavras na prece, refletimos a palavra na nossa arte, compartilhamos energia, tempo juntos e colocamos axé no fazer artístico como nas experiências tradicionais africanas em que não existe a separação de arte, vida e espiritualidade. Por essa razão a gente tem que pensar: qual nossa reza? Rezar é apenas sentar e ficar pedindo algo? Com quem a gente aprendeu a rezar? Como rezar? De uma coisa eu sei, nossa reza nunca foi contemplativa, ela é de fazer e no fazer e por esse motivo nossa arte deve ser nossa reza no fazer. Se a arte reflete a vida, então ela também é reflexo de qual espiritualidade estamos cultuando, de como estamos rezando e se estamos. Sem reza não se cura, sem reza não se faz nada. Nossa reza canta, nossa reza faz.

E nunca estamos sozinhos quando rezamos.

Fio, se suncê precisá

É só pensá na Vovó

Que Ela vem te ajudá

Que a vovó tá lá Sentada num banquinho tosco, zifio

Com sua rosário na mão

Pensa na Vovó Maria Redonda

Fazendo Oração

O que posso pedir é que nesse momento, São Lázaro e Omulu nos protejam, guarde nossa saúde e de nossos familiares, que a sua proteção seja forte e duradoura, que os enfermos se levantem, que as doenças passem longe. Amém! Axé! Ngunzo!

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