QUAL EDUCAÇÃO NÓS QUEREMOS?

Chicoerik
RevistaNgunzo
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4 min readMay 8, 2021

Pensar em qual educação nós queremos é uma questão vital. Desde cedo somos inseridos numa educação embranquecida; os professores, os espaços, o conteúdo, a secretaria municipal e estadual e principalmente o ministério da educação. Todas essas instâncias são organizadas e geridas por brancos e com objetivos brancos. Entendendo isso, é possível alcançarmos nossa libertação dentro desse modelo de educação? O Honorável Marcus Garvey nos orienta: “Educação é o meio pelo qual um povo é preparado para a criação de sua própria civilização, avanço e glória de sua própria raça.”

Diante disso nos questionamos: essa educação na qual somos inseridos nos prepara para a criação de nossa civilização, avanço e glória do povo preto? Pense um pouco e veja no que essa educação te preparou… Pensou? Pois é, a realidade é que o branco tem usado essa educação como estratégia para alcançar a glória e avanço de sua raça e nós contribuímos para essa graça e nossa desgraça.

Então pensa mais um pouco; se essa educação formal que estamos vivendo é uma educação branca, ela nunca servirá como um meio de avanço e glória para a nossa raça, para nosso povo. Ela na verdade só serve para cada vez mais fazer com que a gente esqueça de onde viemos, de nossas referências e violentar totalmente nossos saberes, pois para eles nada do que já sabemos tem algum valor. O que tem valor é o que eles consideram valoroso. Já se tocou como as aulas dentro da escola dos brancos é chata? Você passa todo tempo se questionamento de que aquilo vai te servir, pra que isso tudo… “Queria era tá jogando bola, jogando capoeira, em casa…” A educação na escola dos brancos serve apenas para nos acalmar, docilizar, sem consciência racial e se queremos ser alguma coisa na vida, a opção que temos é desejarmos sermos igual a eles. Abdias do Nascimento uma vez disse: “O único ‘privilégio’ que o negro tem dentro da sociedade brasileira é querer ser branco”. O preto educado para eles é o preto branco, o preto calmo, letrado, que fala que como branco, anda como branco, come como branco, manca como branco, veste branco… Essa educação em que somos “integrados” tem apenas um objetivo: nos embranquecer.

Por essas razões, essa educação não é a queremos e se você pensar um pouco ela nunca nos será proveitosa de nenhuma forma. Garvey com sua sabedoria mostra que “devemos aprender tudo aquilo que vale a pena conhecer e guardar em nossa cabeça fatos de necessidade para a aplicação diária na vida”. A educação preta é uma educação para vida diária, é prática, é pretagogia, pois ela parte de nossa ciência e é construída em nossos espaços. Não é uma abstração sem sentido que não serve pra nada além de contemplação; é uma educação que visa nos aprimorar, dá autonomia. Por isso não podemos mais permitir que nosso povo seja educado em um meio que nos mata. É nossa responsabilidade garantir que nossa geração e futuras gerações tenham acesso a uma pretagogia que nos ensine a alcançar nossa liberdade, autodeterminação, glória e avanço para gente. É nossa responsabilidade porque precisamos parar de depender do branco e cada vez mais valorizarmos o que temos, enquanto não começarmos a construir projetos e agenda que nos tornem mais autônomos em termos de educação, nunca conseguiremos de fato nos livrar disso tudo. NOSSA RESPONSABILIDADE É COM NOSSO POVO E NÃO COM OS BRANCOS. E ai nos questionamos; mas e a lei 10.639? Não foi uma grande conquista? Será que alguma coisa dentro dos termos brancos é alguma conquista para o povo preto ou uma conquista para os brancos?

“E eu já lhes disse antes que a “lei” não é nada além de um grupo que faz uma regra para proteger seu interesse contra outro grupo — ISSO É TUDO QUE ELA É! — e a capacidade desse grupo então para impor essa regra.”

Essa é a ideia que o psicólogo e pan-africanista Amons Wilson nos ensina e responde muito bem o que achamos sobre a lei. Você pode até pensar que ao instaurar a lei 10.639 nós fomos o grupo que se sobrepôs, no entanto você esquece quem gere os espaços de aplicação da lei, de validade e relevância. Nosso caminho é esse? Implorar por migalhas? Depois de mais de 10 anos dessa lei nós devemos nos tocar que é só mais uma das estratégias dos brancos para nos acalmar, docilizar e acharmos que estamos progredindo em alguma coisa. Assim como todo o povo preto brasileiro, nós também tivemos essa educação embranquecida e de alguma forma estamos sim inseridos nela, no entanto tomamos cada vez mais consciência de que esse não é o caminho, e experimentamos ele, pois esse caminho é descaminho e neutraliza nosso NGUNZO. Precisamos de educação preta, de pretagogia.

Nesse sentido, nossa segunda edição discutirá sobre a Educação numa perspectiva pan-africanista e não integracionista, pois “Precisamos ser educados na alma, visão, sentimento, bem como na mente e no corpo”, como diz Garvey, e tudo isso numa perspectiva preta. E TUDO ISSO SÓ DEPENDE DE NÓS.

Já lhes disse antes que não somos apenas criação dos brancos, nós também os criamos. Que eles não podem ser quem são se não formos o que somos. E se nos engajarmos em autotransformação nos engajaremos na transformação da nação, e finalmente na transformação do mundo… É isso que eu repeti sobre uma Educação Afrocentrada, que, mais profunda que todas, em relação a uma Educação Afrocentrada, é que não estamos criando uma revolução na América, estamos criando uma revolução em nós. Mas essa revolução em nós é uma revolução na América. E, por isso, nós olhamos em nós para nos transformar (WILSON, Amos).

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Chicoerik
RevistaNgunzo

Panafricanista, filósofo e integrante da revista Ngunzo do grupo Teatro Na Porta de Casa.