Revolução do Ayiti

Lucas Limeira
RevistaNgunzo
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3 min readAug 30, 2021

Para o mundo branco, ou melhor, para os brancos, é muito difícil assumir uma derrota, ainda mais se for para pretos. Lendo alguns materiais sobre a revolução do Ayiti para construir esse texto me deparei com muitos deles creditando a revolução francesa pelo sentimento de revolução que motivou a revolução do Ayiti. Outro argumento usado é que a revolução francesa aconteceu em 1789 enquanto a Ayitiana em 1791.

Mesmo com toda a guerra e massacre para a libertação da dominação branca, francesa, eles encontram uma forma de se inserir nos créditos e tornar cada vez mais difícil acessar a verdadeira história. Bom, claro que isso não é verdade, é mais uma forma de tirar a importância de uma revolução negra baseada em estratégias, lutas e espiritualidade africanas.

Enquanto a revolução francesa acontece em 1789, em 1758 François Mackandal foi morto por transmitir conhecimentos a outros africanos sobre as ervas e como usá-las para matar os senhores brancos. Um líder revolucionário, ligado à espiritualidade africana, que antes de sua morte profetizou que voltaria como um mosquito para matar aqueles brancos, profecia essa que se concretizou com o surto de malária no país.

Essa e diversas outras figuras que participaram da história da construção do Ayiti como primeira república negra das Américas nos mostram como nossos sistemas espirituais, sociais e políticos são nossa base para construir nossos espaços. Nos mostram também o quanto é prejudicial a todos nós, enquanto povo, a assimilação da cultura do branco, até a relação com o branco.

É aquele lance de quanto mais branco você é, ou tenta ser, mais você consegue se inserir nessa sociedade. Mas a que custo? Por cima de quantos pretos você tá passando pra conseguir esse espaço mínimo e chamar de vitória do povo preto? Os revolucionários ayitianos entendiam muito bem que essa estratégia só traria desgraça para o povo. E por onde eles começaram sua revolução? Matando os negros da casa, os assimilados, os que colocariam tudo a perder por um mínimo privilégio, pela aceitação do branco.

Na história temos diversos exemplos dessas personalidades “antagonistas”. Garvey e Dubois, Malcom X e Martin Luther King, no Ceará temos o exemplo da revolução dos Jangadeiros com José Napoleão e Dragão do Mar e na revolução do Ayiti temos Jean Jacques Dessalines e Toussaint Louverture e já vimos diversas vezes os caminhos que cada um construiu pra adiantar os brancos ou pra nos adiantar.

Jean Jacques Dessalines

Enquanto Toussaint foi morto pelos franceses por sua forte relação com eles, Dessalines matou um branco para cada preto que foi morto, expulsou os franceses das terras ayitianas e proibiu a propriedade de terra para pessoas brancas naquelas terras.

Então, nesses 140 anos da revolução do ayiti e mais ainda da história das revoluções pretas, devemos aprender a ser orgulhosos de nossa história, nossos ancestrais, nossas revoluções, nossa espiritualidade, nossas tecnologias e cada vez menos tentar se inserir no mundo branco. Eles já deixaram bem CLARO que pra gente se inserir, só morto.

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Lucas Limeira
RevistaNgunzo

Ator, membro fundador do grupo Teatro na Porta de Casa e da Revista Ngunzo