SEXUALIDADE E ANCESTRALIDADE

Chicoerik
RevistaNgunzo
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3 min readJun 18, 2021

Quando pensamos em sexualidade sempre nos vem termos como “gênero” e suas categorias, categorias essas que são ocidentais, pois não há registros nas culturas africanas de qualquer semelhança com os povos ocidentais quando se trata de sexualidade. Sexualidade é algo sagrado, é um ritual como outros rituais e precisa ser cuidado.De acordo com Oyèrónké Oyěwùmí,

família Iorubá tradicional é descrita como uma família não-generificada. É não-generificada porque papéis de parentesco e categorias não são diferenciados por gênero. Então, significativamente, os centros de poder dentro da família são difusos e não são especificados pelo gênero. Porque o princípio organizador fundamental no seio da família é antiguidade baseada na idade relativa, e não de gênero, as categorias de parentesco codificam antiguidade, e não gênero. Antiguidade é a classificação das pessoas com base em suas idades cronológicas. Daí as palavras egbon, referente ao irmão mais velho, e aburo para o irmão mais novo de quem fala, independentemente do gênero. O princípio da antiguidade é dinâmico e fluido; ao contrário do gênero, não é rígido ou estático.

Nesse sentido, a gente não fala por/de gênero porque isso não faz parte de quem somos, essa categoria foi imposta aos povos africanos, como outros também foram. Os termos em que falamos são de ancestralidade, o RESPEITO aqueles que vieram antes e quando falamos em termos de sexualidade nunca é em Gênero. Por esse motivo, nossas relações são trabalhadas para encontrar o equilíbrio entre a energia masculina e feminina.

Sobonfu Somé, no seu livro Espírito da Intimidade, nos ensina que “as mulheres e homens precisam se comprometer a trabalhar no equilíbrio de sua energia sexual, pois quando uma das duas energias prepondera, torna-se dominadora e pode ameaçar a estabilidade da aldeia”. Assim, são feitos diversos rituais e tratamentos para que nenhuma prepondere, apenas quando é necessário. Infelizmente, regidos pelo mundo branco e seu modo de ver a sexualidade, acabamos reproduzindo sua lógica e acreditando em crenças que não são nossas e nos fazem mais mal do que bem; como o feminismo e machismo.

Nossas questões não são sobre feminismo ou machismo, mas sobre conflito, força, poder e cuidados. Em muitos Itans, histórias dos orixás, encontramos os embates entre homens e mulheres; uma hora os homens estão com o segredo e o poder, outra hora as mulheres estão com o poder/segredo e mandam nos homens com seu dedo mindinho (como conta o itan de quando Ogum rouba o poder das mulheres para os homens).

Enfim, é só você observar bem e verá que ainda há esses princípios em nós, um pouco mais contaminado, mas que ainda está presente. Quando minha mãe queria alguma coisa, ela não pedia, ela mandava… E ela mesma dizia que homem nenhum levanta a mão pra ela, se levantar, ganhava uma mãozada. Assim como muitas das minhas tias também são , do mesmo modo os homens também aprendem a se posicionar, eu mesmo aprendi isso com ela.

Há muitas outras formas de se identificar que fazem muito mais sentido ao nossa povo. Família, espiritualidade, antiguidade e função para a comunidade são algumas das que pensam a comunidade antes do indivíduo, enquanto a sexualidade da forma ocidental pensa só o indivíduo e seu desejo. Devemos então cada vez mais trazer o nosso pensamento para a edificação de nossa comunidade, nos identificando e trabalhando em prol dela.

Por Francisco Erik e Lucas Limeira

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Chicoerik
RevistaNgunzo

Panafricanista, filósofo e integrante da revista Ngunzo do grupo Teatro Na Porta de Casa.