1000 faces de alienação: Moralismo cristão e o Zen-Pan-africanismo.

OMOWALETTU
revistaokoto
Published in
4 min readMar 4, 2021
Ilustração: Izaias Oliveira

Não é de hoje que discutimos dentro do Kilùmbu Òkòtó que o ativismo político, a construção de uma comunidade saudável e funcional, de homens e mulheres íntegras passa por um processo doloroso de diagnóstico de problemas, críticas, tensões em relacionamento, apontamentos dos erros, refinamento do discurso e a revisão de certas práticas. Afinal, nós não entendemos que há, houve uma perfeição postural dentro da nossa comunidade, nem antes nem durante a colonização, nós buscamos um constante aperfeiçoamento, o que exige bastante trabalho, responsabilidade, tempo, dinheiro, entre outros recursos indispensáveis como um corpo em dia, um emocional trabalhado, isso será bastante doloroso.E não é todo mundo que está preparado para definir isso como prioridade e quebrar alguns “paradigmas da consciência negra e militância negra padrão”.

Mesmo aqueles que já se julgam a nata da consciência preta podem cair em armadilhas espirituais, gatilhos emocionais e serem pegos por uns impulsos alienantes devido ao embranquecimento. Nessa série 1000 faces da alienação vou trazer alguns aspectos de nossa alienação mais genéricos, como relacionar e dialogar com alguns personagens figurinha marcada dentro de nossa comunidade.

Muito embora a muito tempo tenhamos a impressão que o cristianismo não se faça mais presente no meio da consciência negra militante, ele está em alguns impulsos emotivos e posturas que vemos e/ou temos no dia a dia, pode não estar presente em forma de prece, em forma de crenças sobre o céu e inferno, porém depende. Algumas das facetas do subjetivo cristão presentes nos zen-pan-africanistas são o perdão inquestionável, a infantilização da irresponsabilidade dos irmãos e missionarismo salvador e capacitista.

Quem aí já trombou com aqueles missionários que tem a crença que nosso povo não sabe ler, não tem nada de dinheiro, não sabe o que escolhe, não tem responsabilidade, não tem acesso a nada, zero educação e por tanto precisa ser salvo por algum ser iluminado ou por algum livro que ele não poderia compreender agora. Essa entidade acredita que a maioria do povo preto não está preparada para alcançar seu nível de iluminação e compreensão das coisas. Nunca vai conseguir ler e saber de cor as 1000 citações dos mais de 500 autores que ele conseguiu ter acesso. Portanto precisa ser reeducada de novo a aprender. O salvador precisa levar a esses inúteis alienados, ao mesmo tempo que parece um esforço ingrato, já que ninguém vai entender. Então, todas as escolhas erradas ou convenientes que todos fazem é um produto de alguma força metafísica exterior a nossa comunidade a qual a gente também jamais dará conta de enfrentar, enfim, demônios de olhos azuis, racismo estrutural etc. Aí da uma romantizada nas expectativas, diz que cada irmão e irmã deve alcançar a iluminação o seu tempo, não devemos pressionar ou questionar ninguém, pois isso irá afastar ou criar conflitos, aí entra a parte zen da coisa, agora a iluminação é exclusivamente para dentro de si mesmo. Já que se consideram incompatíveis com o todo, eles perdoam lá e começam a perdoar cá. Aí fica todo mundo perdoado e todos seguem felizes em contradições e sem tensões com a comunidade.

Não bastasse e fosse problema o suficiente, se tornam falsos moralistas de quem não romantiza ou simula uma unidade africana através de iluminações individuais, inertes e não organizadas. São taxativos e criam antagonismos baseados em nada colocando a si mesmos como os mocinhos da história. Se estão numa linguagem conservadora de militância, quem faz diferente está desrespeitando, se são engessados nos discursos, quem faz diferente é debochado demais, arrogante e pretensioso. Se não estão sendo atenciosos ao corpo e ao espírito, usam o Materialismo como base para analisar seus feitos, se estão distantes de aspectos culturais importantes para o desenvolvimento do ser africano, eles dizem que não podemos nos afastar das tendências universais e que essas coisas nos atrasariam, ou não nos fariam compatíveis no enfrentamento ao Branco. Ao passo que acreditam que não há possibilidade de salvação do povo preto, eles simulam e criam uma unidade africana do nada exclusivamente para dizer que há pessoas negras críticas e desagradáveis que estão afastando irmãos e irmãs de luta.

Enfim, os sommeliers de Movimento Negro aí mudando de paradigma do dia para noite para colocar o que lhe é confortável como o caminho certo do rolê. Talvez na cabeça deles essa parada namastê de acolhimento paz e amor hippie faça sentido, cumprir sua hora de unidade no mês e tal sem cobrança, estão carentes e é bom construir uma narrativa na qual você se torna indispensável e a referência pelos seus próprios olhares. Qualquer coisa não romântica assusta e ameaça esse castelinho de areia simulado de unidade, trabalho pela comunidade e eles usarão de qualquer recurso para repelir quem não tiver nesse nirvana afrocentrado. Reconheceu alguém ou alguma organização? Estamos de olho rs.

--

--