A CAPOEIRA É DE TODO MUNDO — MENOS DO HOMEM NEGRO

Acredito que a maior parte dos jovens desse senzalão em que vivemos, galera que nasceu e cresceu com um mundo já bem estabelecido pela globalização, conheceu a capoeira como manifestação cultural brasileira.

E acho também que alguns outros mais velhos que por vários motivos na vida não conheceram a capoeira antes acabam caindo nessa patota também.

“É dança? É esporte? É luta?”

Essas perguntas fazem a tríade mais comum e básica do primeiro contato com a prática, seja esse contato a partir de estar vendo a roda pela primeira vez ou pesquisando pelos meios de comunicação.

Sério me diz aí quem nunca ouviu essas perguntas? RS

Particularmente eu vejo a globalização um dos processos modernos mais cruéis pra cultura de qualquer povo, mas para o povo africano, especialmente já em diáspora, tem um gosto mais amargo.

Por definição branca globalização é

“(…) um processo de expansão econômica, política e cultural a nível mundial. Sua origem remete ao período das Grandes Navegações no século XVI, momento em que as trocas comerciais se ampliaram para outras nações.”

Ou ainda

“Processo pelo qual a arte, a cultura, a música, o comportamento, o vestuário dos indivíduos de um país sofrem e assimilam as influências de outros, devido ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, tornando o mundo unificado em uma grande ‘aldeia global’.”

Essa primeira definição da um caldo de que origem essa porra vem né? Falou em “grandes navegações” não tem como logo em seguida associar ao tráfico de africanos que aconteceu por conta dessa movimentação global daquele bando de leite azedo que passaram dias sem tomar banho numa banheira de madeira em um segundo momento de tentativa de conquista e subjugação de outros povos.

Então, boa coisa isso não é.

Essa segunda definição já é um pouco mais interessante e traz mais pro papo que queria dar aqui.

A globalização pelo meu entendimento é um novo suspiro do racismo onde há a tentativa de apagamento das culturas a partir da assimilação das culturas, em um momento pós-guerras e pós holocausto de judeus uns outros brancos vieram defender a própria raça e nisso come ou a patotatada de todas as vidas importam (e tem gente achando que é novo rs).

Várias comunicações e transportes tornaram mais fácil o acesso de todo mundo a cultura de todo mundo e o branco foi colocando na cabeça de geral que todas as culturas são de todos, pegando tudo de direito naquele jeito que a gente já conhece: primeiro fala mal, depois rouba e paga pau.

Nesse momento aí a capoeira se meteu nesse bololo, ou melhor, foi metida.

Quem é sabido tá ligado que a algo onde pretos estão envolvidos, tanto que muita gente acha que capoeira não é coisa boa e quem acha isso tem certeza de que é coisa de preto…

A capoeira é uma resposta africana pra caralho ao racismo no meio e final do império de merda brasileiro, mas a partir da República de merda brasileira um puta projeto de nação brasileira começou a ser colocado em prática numa tentativa de criar as Raízes do Brasil a dita pacífica junção do português, do indígena e do africano formam o tão degenerado porém civilizado brasileiro.

Foi tão perseguida que o conhecimento que se tem a partir de registros escritos são em sua maioria em registros policiais da época.A capoeira é uma resposta do homem negro no Brasil ao Brasil, ao brasileiro.

Na época em que começou a se falar dos gemidos capoeiras que tomavam as ruas do rio de janeiro (esse tempo não volta nunca???) os cidadãos de bem se sentiam ameaçados com sua presença.

Uma geração depois estavam prendendo os capoeiras, institucionalizando como crime, chacotando e caricaturando a imagem dos capoeiras nos jornais.

Duas gerações depois estavam soltando os camaradas e revogando a lei…

Três gerações depois os brancos cidadãos de bem estavam sendo incorporados às rodas…

Nesse meio tempo MUITA miscigenação aconteceu e o embranquecimento da população estava a todo vapor…

O homem negro sabe? Aquele que começou, aquele que trouxe lá da África, aonde estava? Aquele que colocou mandinga no jogo, o de estava? Aquele que colocou seu perigo em forma de brincadeira, onde estava?

É, foi levado na miscigenação e a capoeira foi junto…

Capoeira virou coisa de branco, pra branco ver, depois pra branco “jogar” e daí pra frente foi só pra trás. Poucos foram aqueles que se proporam e agiram para a defesa e manutenção das reais origens da capoeira. O que se viu nesse momento foram alguns mestres com um nome buscando mais nome debaixo das asas de uma Brancos salvadores. Coisa que deu liberdade aos brancos hoje verem qualquer roda de capoeira e quererem se meter. Para grupos como o do Kilûmbu Òkòtó que fazem treinos na rua é batata de um braco querer se meter… Mas óbvio, com respeito algum, já chega e quer mandar, quer participar, não sabe fazer nada quer fazer tudo, afinal “mas é cultura do Brasil”? Vocês deviam me deixar jogar!”

Agora onde já se viu… procurar defesa de algo preto com branco… com certeza no Brasil…

O integracionismo não é novidade e é algo que vem matado o preto e sua cultura já há muito tempo. Esse papo perverso de cultura brasileira é história pra boi dormir, história pra negresco comprar, tudo que eles mais querem é completar o desejo que o branco mais quer também: reescrever a história da nossa cultura no “somos todos iguais” no “cultura é universal” no “somos todos humanos”.

Nesses todos somos humanos quem é que tá sendo morto? Quem é que tá sendo esquecido nas ruas? Quem é que tá sendo deixado pra morrer no sistema prisional?

O homem preto… aquele que criou toda essa cultura “brasileira”.

Cultura brasileira é meu ovo! Quero mais é que se foda toda essa patota de universalismo, globalização, patrimônio cultural imaterial e os caralho a quatro que vier junto.

Nossa cultura é nossa cultura, é de nossa posse sim! Marimba Ani deixou bem claro que a nossa cultura é o nosso sistema imunológico, isso quer dizer que é onde podemos nos pautar para nós proteger de qualquer ameaça ao nosso povo, ao nosso ser. Mas se o nosso sistema imunológico estiver minado justamente daqueles que há séculos nós fazem mal, como aquilo pode nos fazer bem?

Bagulho tá torto, bagulho tá errado… o processo já tá em curso há tanto tempo que nem tem como mensurar até onde isso já foi, até quando isso vai e quanto tempo pra resgatar, mas nosso povo já foi grande, já fez muito e é capaz de fazer de novo! Eu acredito e não só acredito mas como coloco meu espírito e meu corpo a prova pra que isso se concretize. Chega de comportamento zuado, de levar em consideração opinião de branco pras coisas pretas.

Bagulho é nosso, capoeira é nossa, capoeira é preta pra caralho e ainda mais masculina!