A cozinha é preta ô calunga!

Jhené Zahara
revistaokoto
Published in
2 min readDec 29, 2021

É preto é preto é preto ô calunga, a cozinha é preta ô calunga!

Hellen e Thabata durante o Festival É coisa de preto!

Um fim de semana imersa na cozinha, junto com outras pessoas me fez lembrar o quanto cozinhar é preto, é lugar das pretas, é um espaço feminino. O lugar da cozinha é conversa, cheiros, panela apitando, fofocas rolando, risos engatilhados, implicâncias, zombarias, mas também o lugar de axé, é onde acontece a manipulação de energia através da boca.

A cozinha tem seu próprio tempo, tem sua própria vida, não adianta correr, tem que seguir, tem que sentir também, são muitos detalhes, muito trabalho, tem que saber misturar bem os ingredientes, entender quais são as combinações que dão bons frutos, bons sabores.

A cozinha é uma biblioteca, você aprende tudo dentro da cozinha, se você estiver dentro da cozinha lavando um copo, você aprende. Você aprende tudo, porque tudo parte da cozinha, o ebó vem da cozinha, até se você fizer um café você aprende alguma coisa, tudo parte da cozinha.

Entrar numa cozinha requer respeito às hierarquias e aos ritos, preparar a alimentação é perpetuar a vida. Ao alimentar a nossa comunidade, carregamos a responsabilidade grande em torno da energia empregada no preparo das receitas, pois a comida representa o elo de ligação entre os seres e seus orixás. Todo o axé vem da cozinha. Para os ocidentais têm um lugar de coadjuvante, se restringem apenas às tarefas domésticas, um trabalho visto como algo menor. Para nós, a cozinha é um posto de prestígio e responsabilidade. É domínio do feminino e de manutenção do axé. Não que homens não possam entrar, não que os homens não possam cozinhar. Podem sim, mas se você tem a mulher no local, preparar a comida é a preferência dela.

Se não conseguimos ver valor em quem prepara ou nas tarefas que são necessárias dentro da cozinha, estamos vivenciando ela de maneira ocidental, pois é ela a essência da vida. Os rituais nos terreiros, por exemplo, começam na cozinha.

A cozinha é o coração, é onde tudo acontece, você passa 3 dias numa função e na hora de você apresentar aquilo ao público e dar uma satisfação, é sua sala. É a satisfação de que tudo que você fez ali deu certo. É um templo onde mais do que preparar o alimento da comunidade, te ensina a tecer uma colcha de laços firmes no que se refere à confiança, pertencimento.

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