A formatação do preto "acadêmico"

Rayssagribeiro
revistaokoto
Published in
3 min readDec 13, 2022

O bate-papo do Consciência e Formação de Kilumbu que rolou no último domingo desencadeou em mim algumas reflexões sobre a academia…
Mais especificamente, sobre o *preto* na academia.

Uma vez que uma pessoa preta se entende como africana (independente de sua localização geográfica em diáspora), ela passa a rejeitar toda e qualquer coisa que lhe afaste de sua verdadeira essência.
Ou melhor, o nosso Orí rejeita. Aí fica a encargo do próprio indivíduo escolher por onde seguir nas encruzilhadas que certamente irão surgir em seu caminho; e arcar com os custos dessas escolhas.

Quem já pegou a visão sabe o quanto a universidade é um belo exemplo de algo que é nocivo para nós; principalmente quem já esteve, ou ainda está inserido nela de alguma forma.
Absolutamente tudo ali é antinatural.
Marimba Ani falava sobre a e-n-o-r-m-e distinção existente entre a visão de mundo africana e a europeia.
Para eles — os brancos — tudo é transformado em objeto de estudo. Até mesmo, e talvez principalmente (pasmem) NÓS, os pretos hahaha. Isso mesmo!
Já notaram a quantidade crescente de teses, TCC’s, monografias, etc. em que os autores (muitos deles também pretos) se propõem a estudar alguma manifestação cultural africana?
E perceba: falo de estudar/pesquisar. Não vivenciar. Não sentir…
Fazem tipo um laboratório afro e depois apresentam aquilo escrito de um jeito rebuscado pra banca aplaudir, dar ao preto esperançoso o seu aval para que este se sinta mais gente, e de quebra ainda se passarem por antirracistas…
Mas isso é papo para uma outra hora!

O ponto é que a perspectiva africana entende a realidade material como uma manifestação do espírito; não sendo, portanto, possível separá-los.
Por outro lado, o que a universidade faz (na real o que o sistema de ensino branco, em todos os níveis faz), é fragmentar os saberes. E com isso, fragmenta o ser (preto).
O formata e o afasta de sua natureza, que é de viver e se entender como um só com o todo. Como parte pertencente desse todo. Como a totalidade espiritual de que Marimba fala; pois o “objeto de estudo” está a parte, distante, desconexo. Destituído de qualquer significado.

[Inclusive essa foi uma estratégia de dominação utilizada por eles: como se as culturas capazes de dominar esse “pensar” sem “sentir” fossem superiores (civilizados/científicos/racionais), e por esse motivo tivessem o dever de controlar as outras. Os objetos podem ser manipulados ao bel prazer dos brancos.]
Sob a lógica branca, possuir conhecimento não é mais relevante que possuir títulos. Além do que, se tornar especialista nisso ou naquilo faz a pessoa passar a restringir toda a existência dela para tratar daquele tópico específico. Pergunte a respeito de algo que esteja fora de seu campo de estudo e ela lhe dirá: “não é minha área, não sou qualificada para falar.”
Sendo que, na realidade, as coisas estão todas conectadas/interligadas, e não acontecem de forma isolada.
Dentro do Kilumbu Òkòtó sempre pautamos os 3 pilares: corporeidade, intelectualidade & espiritualidade em conjunto. Porque é assim que é!
Se você desenvolve somente a sua intelectualidade você atrofia os outros.
E mesmo esse “desenvolver” a intelectualidade aí, dentro da universidade, é bastante questionável.

Enfim, como sempre dizemos por aqui, certas coisas não podem ser “desvistas” né?! É aquele papo de que, uma vez que cê entende as paradas nunca mais consegue retornar pro lugar anterior.
Certos espaços já não cabem mais, mesmo se tu quiser forçar pra se encaixar. Aquilo vai ficar te incomodando, te cutucando, até que você faça algo a respeito. Nesse caso, se saia; ou nem entre, se possível. Se poupe desse desserviço. Faça igual o Daniel Kaluuya e Corra! É cilada, Bino!
Ocupar tudo não é (e nunca será) um caminho de emancipação para nós. Pelo menos não para quem quer autonomia, de fato.
Porque não buscamos ocupar, buscamos criar; (ou retornar) para o que já criamos antes.
Já temos tudo o que precisamos na nossa história e ancestralidade e não precisamos de diploma algum para validar isso.

Arte: Diego Nunes

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