A gente sabe

Kamila Aranha
revistaokoto
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3 min readMay 17, 2022

Uma parada que tenho observado depois que conheci a filosofia Banto Kongo são as relações. Normalmente começo analisando as minhas relações… como elas eram e como são hj. A partir disso faço uma auto crítica e saem vários textos daí. Mas é interessante perceber como muitas das minhas relações, sejam com familiares, amigos, ou até com a minha filha já tinham muitos princípios afrikanos apesar do embranquecimento que sofri ao longo da vida.

Em especial, falando da relação dos pais ou da comunidade com a criança, sempre vi muito da nossa filosofia na minha criação e dos meus irmãos e primos. Sempre vi todos os adultos cuidando das crianças, até vizinhos, até amigos da família. Os amigos da família viraram tios. Não tinha essa da criança ser um peso. Onde comia um, comiam dois. O legal disso pra gente, criança, é que aprendia como viver em comunidade desde cedo, e aprendia tbm a conviver com as demais crianças apesar das diferenças.

O embranquecimento que a gente sofre ao longo do tempo faz a gente esquecer várias dessas coisas. Isso é o que o racismo faz. Tira todo nosso axé (se a gente deixar), devora tudo o que há de afrikano na gente, come a gente por dentro em vida e faz a gente morrer por dentro. Pq a verdade é que se a gente não tem essa nossa base, a gente não é nada. Não é nada entre a gente e nem preciso falar entre os brankos, né.

Enfim, o que me trouxe essa reflexão foi ver como o branko se relaciona com os seus familiares e com suas crianças especificamente. Mesmo quando eles tem grana tratam de terceirizar a responsabilidade com suas crianças. É um tal de “Comigo não morreu” que não dá pra entender como eles conseguem. Quando não tem grana então, na primeira oportunidade se livram da criança. Tem um pessoal branko aí que conheço que a mãe já não gosta da criança, então nem tem contato. A avó fica com a criança a contra gosto, só por medo do que vão pensar dela mesmo, e na primeira dificuldade que tem dispensa a criança pra qlq pessoa que quiser cuidar. Tipo um objeto que se te dá muita despesa vc se desfaz. Isso é zuado, bem coisa do branko. Depois eles replicam isso abandonando os pais, odeiam os pais e eu nem tiro a razão. Mas enfim, eles são brankos, eles que se entendam. O que não pode é a gente reproduzir essas feiúras né?!

E mano, ainda bem que eu sou preta e nasci numa comunidade de pessoas pretas, que apesar de alguns recheios que a gente infelizmente tem, ainda tem uma memória afrikana que mantém alguns dos nossos costumes . Isso é espiritualidade.

E sobre nossas crianças, nossa relação com elas é e sempre foi de cuidado. Salvo algumas situações em que as pessoas pretas estão tão negrescas a ponto de copiar o comportamento do branko até na criação das crianças, ou casos em que os nossos estão à margem com vícios, onde não conseguem cuidar nem de si mesmos. Mas o normal é que mesmo sem vínculo, independente de parentesco, a gente cuida e entende a importância de todos da comunidade, inclusive das crianças. A gente sabe da importância das nossas relações. A gente sabe que é preciso toda uma aldeia pra cuidar de uma criança. Mesmo sem saber, a gente sabe…a gente sente e a gente faz.

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