A luta africana forja guerreiros de uma nação

Jao No Aye
revistaokoto
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3 min readJul 28, 2022

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Se não fosse a mobilização de moradores que estavam próximos da delegacia, Besouro Mangangá teria conseguido recuperar o berimbau de seu grupo. O capoeirista botava a polícia pra mamar na gargalhada.

Manoel Henrique Pereira, o besouro preto, Besouro Mangangá ou Cordão de Ouro, nasceu em Santo Amaro na Bahia em 1895 e faleceu em 1924 com 29 anos. Com uma faca de tucum foi pego na covardia, pelas costas, num beco escuro depois de sair do hospital onde tinha sido maltratado. Naquele estilo que sabemos que os sem cor sabem fazer.

Se as instituições brancas — as pessoas brancas, afinal, são nossos sabotadores, pela lógica, então, devemos nos integrar entre pretos. Não buscando um mundo com gramado verde-água e com tigres que gostam de abraços, como o mundo imaginário dos testemunhas de jeová. A integração entre pretos é a busca por uma convergência de sistemas espirituais, de propósito e ancestralidade. Algo que com os outros nunca será possível. Mesmo que aprendam os movimentos jamais terão o axé que dá sentido aos ritos.

Aceitamos negociar com os brancos no que ficou conhecido como o Golfo do Bênin, por sua grande rede de escravização. Concordamos em sermos islamizados no Império do Gana e cristianizados em Matamba. Em todos os casos os benefícios foram sempre pequenos em comparação às consequências que sofremos até hoje e sofreremos por um bom tempo. Algumas famílias se enriqueceram e ganharam passaportes exclusivos para o embranquecimento e para a venda de suas almas para o inimigo.

Nesse sentido, a capoeira em espaços da educação branca vai atrair mais brancos e oferecer baixa efetividade se a intenção for agregar pretos, já que os pretos nesses espaços são constantemente enfileirados, limitados e castrados todos os dias, sem exagero. Seja na creche, na escola ou na universidade, a capoeira lá será sempre o selo antirracista que a gestão escolar vai usar quando for acusada de racismo.

Os treinos de capoeira do Kilûmbu Òkòtó partiram da rua.
Os treinos de capoeira do Kilûmbu Òkòtó partiram da rua.

Assim como outras manifestações culturais africanas na diáspora, as organizações da capoeira: grupos, escolas, coletivos, irmandades e similares contam com uma mobilização dos seus membros para lidar com estratégias que neutralizem as sabotagens da supremacia. Como quando os membros se fortalecem economicamente, organizam eventos, levantam grana, auxiliam os mestres e estabelecem territórios próprios demarcados para suas atividades.

Agora imagina toda essa força da coletividade multiplicada por 100 ou até mais. É assim que funcionam as organizações pretas com objetivo único que é a nossa emancipação racial. A capoeira oferece instrumentos para fortalecimento corporal e espiritual e no Òkòtó é o chão da nossa escola no processo de construção de uma nação de base africana. Pela página Honre sua Ancestralidade catei a visão dos pilares da filosofia do líder africano Nnamdi Azikiwe, reconhecido como uma figura vital para as independências africanas do século 20. A ideia do brabo defendia o equilíbrio espiritual, a regeneração social, a autossuficiência econômica, a emancipação mental e o renascimento político.

Em outras palavras, caro leitor que chegou até aqui, a sua prosperidade ta ligada a como você enriquece junto dos seus. Na mesma lógica é a sua evolução enquanto capoeirista. A partir das histórias dos mais cabulosos, não podemos escorregar no massapê, baixar a guarda e dar as costas pro inimigo. Nossa liberdade e nossa total emancipação enquanto Povo Preto virá por sangue derramado e que a maior parte, significativa memo, seja deles.

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