A necessidade dos opostos

Akilah Raawiya Òkòtó
revistaokoto
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2 min readFeb 25, 2021

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Ilustração: Izaias

Estava aqui refletindo o quanto atravessamentos raciais de vivências, faz a gente ir se encolhendo, se diminuindo até sumir de vez da cena.

Nos últimos anos eu ouvi muito isso:

“ Tu não vai lançar um livro?”

“Esperando seu livro!”

“Isso dá um livro!”

E eu nunca consegui visualizar…

Eu? Um livro meu? Imagina…comentam porque querem ser gentis…eu não sou escritora…só escrevo algumas coisas gente. (risos)

Agora tendo que juntar todo o meu material para colocar no site, eu estou perplexa com a quantidade de textos que já produzi!

E ao ouvir o papo de um brabo sobre não deixar esse “molde racial” nos limitar, e impedir que falemos em voz alta do nosso valor e potencialidades, eu digo que:

Eu definitivamente SOU UMA ESCRITORA.

E das boas. Risos.

E eu vou sim lançar livros!

Que já visualizo na prateleira:

Autora:

Akilah Raawiya Òkòtó

Bacana essa história né?

Mas até chegar ali, foi um longo processo, uma longa caminhada…

E essa restauração, nos leva a batalha da criação; a história de Ausar, Auset, Seth e Heru.

Não cabe aqui entrar em detalhes, mas como acontecimento principal, temos Seth, o irmão invejoso que assassina Ausar, divide seu corpo em 14 partes e as espalha por Kemet. Auset, a viúva, sai em busca para juntar todas as partes novamente.

Seth representa a desordem e o caos. Ausar representa a ordem e a harmonia.

Enquanto pessoas africanas em diáspora, fomos despedaçados tanto quanto Ausar, e precisamos fazer o mesmo movimento de reconstrução que Auset fez.

A busca por essas partes seria a retomada dos nossos nomes, da nossa espiritualidade, da corporeidade, da nossa história, da nossa cultura…

Assim como Auset não encontrou todas as partes, nós também não encontraremos, mas o que conseguirmos reconstruir, será capaz de nos fazer acreditar que podemos realizar por nós mesmos novamente.

E será fácil? Haverá forças contrárias a este processo?

A resposta para a primeira pergunta é não e para a segunda é sim.

A partir de uma visão de mundo ocidental, aprendemos que aquilo que se opõe deve ser eliminado. Foi exatamente o que os brancos fizeram ao entrarem em contato com nossa espiritualidade. Seth nas religiões brancas passou a ser representado por Satã. Aquele que deve ser destruído.

No entanto para nós africanos, o universo só pode funcionar em equilíbrio.

Existe a necessidade dos opostos. Ordem e desordem. Harmonia e caos.

Ao final a harmonia vence o caos, e a ordem vence a desordem.

Mas para que essa batalha aconteça, é preciso que os opostos coexistam.

E é nas dificuldades, nos movimentos de resistência, que devemos assumir a energia de vencer aquilo se opõe, e assim possibilitar a criação de qualquer coisa que nos proponhamos a fazer.

Isso é o equilíbrio universal. É espiritualidade africana.

Reconecte-se.

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