A quem interessa que Divindades Africanas sejam o Diabo?

Zezi Masomakali
revistaokoto
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10 min readJul 8, 2021

A quem interessa que Divindades africanas sejam o Diabo?

A polícia e os interessados no (des)serviço que ela desempenha, tanto tentaram até que conseguiram que o tal Lázaro fosse finalmente executado. Bastou dizer que havia oymbos poderosos envolvidos na fuga dele que tudo se desdobrou.
Mas como eles são brancos acabaram se entendendo né?

O assunto nem é esse, essa execução servirá apenas como pano de fundo pra tocar num assunto principal.

No auge do desinteresse da polícia garantir a segurança da população (como se ela protegesse alguém de fato rs) a justificativa para esse descaso foi que o procurado teria parte com o Diabo, por isso, era impossível captura-lo.

“Temos treinamento antitráfico, antiterrorismo, contenção de multidões, eventos internacionais de diversos tipos mas o capiroto nunca se prestou a fazer um curso pra gente, não senhor.”

É assim que eu imagino que seja esse diálogo. Exatamente por ninguém cair mais nessa, eles tem que sofisticar até na mentira e por fim modificar o que chamam de diabo.
Sem ter capacidade pra inventar, eles vão deturpar o que já existe. E é tão eficiente que além de explicar sem questionamentos a incompetência deles, ainda aperfeiçoam o racismo, já que o dito Diabo do qual eles falam provém do nosso povo. Não é mais um diabo qualquer, o tradicional criado pelos brancos.

O Diabo dos brancos tem sido Exu, e qualquer outra divindade preta.
E a quem interessa que elas sejam o Diabo?

Bom, vou contar um itan não tão antigo para entendermos.

Por volta dos anos 1909/1911 nascia Robert Leroy Johnson. Um menino Preto e pobre, criado no Mississipi.

É importante falarmos do lugar e de alguns acontecimentos antes de falarmos de Robert. Lembremos da guerra civil dos EUA e como ficou a divisão do país depois dela. Robert nascei mais ao sul do país, mais especificamente na região sudoeste, fazendo parte do conglomerado de estados que eram a favor de manter o trabalho escravo.
Quando a guerra explodiu sabemos que os pretos sulistas foram mandados para a linha de frente pelos brancos sulistas, enquanto os pretos do Norte foram seduzidos com a ideia de libertação e justiça pelos brancos do Norte, ambos servido de bucha para a briga gananciosa dos oymbos por poder.
Mesmo após algumas décadas do fim da guerra, norte e sul ainda refletiam o clima de tensão e a divisão entre as duas partes era nítida, afinal eram menos de 70 anos de guerra, haviam ex combatentes e apoiadores do Sul vivos e guardando rancor por mais que estivesse tudo encerrado.

O norte focou no dinheiro, relações e tecnologia, concentrou grande parte da atividade industrial em seu território, enquanto o sul queria apostar na agricultura. Eles queriam nosso povo sofrendo e trabalhando de graça para eles.
O Norte ganhou a guerra e então o Sul ficou em desvantagens. Já estava muito fragilizado pelo conflito, falta de grana, pouca representação política e submetido as vontades do Norte, ele seguiu com o a parte pobre do país.
Pouca coisa havia mudado desde a escravidão, exceto que agora os serviços eram pagos. Mas ninguém vigiava isso, portanto brancos pobres eram escolhidos para os trabalhos que tivessem uma remuneração mais alta e os pretos ficavam com o que sobrava.
Como desgraça pouca é bobagem, o racismo era ferrenho. Houve uma série de linchamentos naqueles anos que obrigaram várias famílias a partir do Sul, como disse antes, brancos racistas a favor da continuidade da escravidão estavam em maioria, o famoso “burro também envelhece”.

Com tanto sofrimento e a desilusão com a falsa promessa de Lincoln sobre dar um futuro digno a todo e qualquer estadunidense , independente de sua cor, sem ter como bater em alguém pra descontar a raiva e extravasar os sentimentos sem serem mortos, nascia no Sul dos EUA, pelas mãos e gargantas pretas, o Blues.
Ritmo poderoso e profundo que trazia em si as tristezas e agonias de um povo que mesmo após liberto não viu a cara dessa tal liberdade.

Com muitas pessoas migrando para o Norte em busca de uma vida melhor, o ritmo se difundiu rapidamente e então temos novamente os brancos.
Não demorou muito para que a igreja pusesse suas patas sujas e a sua língua maldosa em cima disso e logo cumpriram seu papel, atestaram o Blues como o coisa feita pelo Diabo.

O próprio Setepeles subiu aqui e nos entregou o Blues, gente!

Oras, lógico que demonizariam algo tão grandioso, não foi feito por e nem para eles. Era inconcebível que alguém que perdeu e sofreu tanto ainda tivesse sensibilidade suficiente para criar coisas incríveis como música. Além de saberem que ritmos de pretos poderiam “incitar” alguma revolta. Não há apenas uma história que fala sobre como os cativos africanos que fugiram dos navios negreiros conseguiram essa proeza se comunicando através de canções em línguas do continente, não compreendidas pelos oymbos. Sabemos que era um risco que eles não poderiam correr.

Além do quê, não se mata alguém apenas ferindo seu corpo, mas tirando tudo que há de precioso para ele, e cultura é uma parte essencial de nós.

Bom, contexto feito voltemos ao Robert, que nasceu nessa diáspora e sob essas péssimas condições, mas nasceu bem pertinho do Blues.
Ele viveu com sua família trabalhando nas plantações, então não era difícil ouvir alguns de seus familiares, amigos de seus pais e vizinhos entoando as canções durante a sua jornada e aquilo o encantava.
Com mais ou menos dezesseis anos ele decidiu que não sofreria mais na terra e na enxada, iria se tornar um cantor de renome e trazer conforto ao seus. Foi até um bar local, pediu uma chance de se apresentar.

Tudo certo pra dar errado… E deu.

Mesmo possuindo a história, a conexão e a vontade, Robert não sabia nada da parte prática da música. Blues era tocado com violões, guitarras e gaitas e Robert não sabia quase sobre isso, talvez um pouquinho de gaita mas era só. Ah, lhe faltava também afinação.

Mas Robert tinha a danada da vontade.
Aí sim! Tudo pronto pra dar certo.

Juntou um dinheiro, ganhou um violão de seu pai e foi embora procurando caminho, andou todo canto onde o Blues era latente.
Johnson encontrou então Isaiah Ike Zimmerman, um pretão que manjava de compor, tocar e cantar, ele se apresentava na noite.
Robert mostrou sua musica ainda não tão boa para Isaiah e depois pediu para que ele fosse seu mentor e professor.
O mais velho por sua vez testou o que Robert sabia e viu que ele tinha futuro, aceitou ensina-lo o básico. Porém, a coisa mudou de forma muito rápida, Isaiah descobriu que Robert era apenas um adolescente sem nenhum dinheiro. Vai o homem acolhe-lo em sua própria casa, Como Oxalá fez com Exu.

Por Iza Oliveira

Estabelecido junto da familia de Isaiah, que agora tambem era sua sua família, quentinho e seguro, os dois trabalharam juntos e nas horas livres Ike o levou para a noite e o mostrou como era o Blues de qualidade.
Uma das filhas de Isaiah conta que quando se juntavam, o pai e Robert pareciam competir mas aquele era apenas o jeito dele de ensinar. Ela relata ainda que o pai era bom e Johnson sempre tentava se espelhar nele.

Tempos depois Robert alavancou sua carreira. Ele era dedicado demais ao que decidiu que seria seu destino, tão dedicado que produzia em sua guitarra notas que nenhum outro músico de Blues havia conseguido, afinação essa que só pôde ser alcançada com similaridade àquela que Robert executava, após a criação da guitarra elétrica.

Ele logo chamou a atenção e por isso temos novamente a língua mentirosa dos brancos envolvida. Inventaram que ele havia feito um pacto com o demônio para conseguir a tal afinação.

Sim!

O Diabo, criado pelos brancos, não satisfeito em ser o Mochila de criança e como se não tivesse suas funções infernais, agora estava andando por aí a esmo, na terra, oferecendo pactos aos pretos e lhes dando oportunidades e habilidades.

Poxa DIABO! Jogou sujo hein parça?!

O que intensificou e trouxe veracidade ao boato do pacto, era o fato de que Zimmerman e Johnson praticavam música em um cemitério. Mas isso era apenas para não incomodar a família e seus vizinhos, já que ambos eram aficionados por tocar, não tinham noção do barulhos que faziam e que poderiam incomodar e já que morto não reclama, por que não, né?!

Robert, que não foi bobo nem nada, abraçou a ideia de que ele havia se encontrado com o Capiroto e compôs músicas em torno disso. Faixas como Me and the devil Blues e Cross Road Blues, contavam como ele havia entregado seus alma ao homi e como era atormentado por ele desde então.

Robert foi o primeiro a usar uma sétima corda em seu instrumento e com isso deram a ele o título de pioneiro no blues de 12 compassos (aquela coisa que falei que os oymbos só conseguiram reproduzir depois de criarem guitarra elétrica). Ele decidiu voltar então ao bar onde havia sido rechaçado. Tocou e cantou tão bem que julgaram não ser a mesma pessoa.

Robert se apresentou em muitos lugares, era invejado e temido por dominar a coisa a qual se compromissou a dominar.

Chocada com a coragem dele fazer bem a única coisa que ele queria fazer. Aí, aí esse Robert, viu?!

Brancos insistem nessa de que ele pediu em uma encruzilhada que o Diabo lhe desse o dom musical. Ele então apareceu, tomou o violão das mãos de Robert, o afinou e lhe devolveu. Para fechar o pacto, Lucifé bebeu do whisky que Robert trazia consigo (mesmo eles estando em plena lei seca, ele tinha whisky, tá? Oymbos, péssimos mentirosos rs).

Alguns outros contam que ele procurou um mestre Vodu, o mesmo sistema espiritual usado na revolução do Haiti, para que esse convocasse Papa Legbá. Robert queria falar direto com ele. E quando esse chegou na encruza, atendeu seu pedido a respeito do aperfeiçoamento na música.

Gosto dessa última parte. Ele ter pedido e Legbá atendido. Seve ter passado para ele qual ebó deveria ser feito, quem procurar e com quem falar.
Não é difícil pra mim acreditar na versão de que Robert não pediu nada além de orientação, ciente de que nada do nosso povo é feito sem o aval espiritualidade e nada é conseguido sem esforço e dedicação.

Ele se comprometeu e se organizou.

Ebó feito, sucesso alcançado. Simples assim.

Mas pros yurugus não!
Para eles é totalmente inaceitável. Se eles, com todas as condições a favor não fizeram, como nós, pretos, sem condição alguma e com eles atrapalhando conseguiríamos?

(Essa incapacidade eles vão chamar de crença limitante aqui no presente rs.)

A questão é simples: o poder de criar não está neles. Ou você tem molho ou não tem.
Talento não se compra, se lapida e não se lapida uma brita, isso não vai virar um diamante.
Por isso é interessante que eles distorçam tudo que criamos, tudo que nos baseia e sustenta tem que resultar em algo ruim, justamente para que eles possam culpar esse grande mal por sua própria incapacidade.

Interessa aos oymbos que Orixás, Voduns, Nkisses, toda e qualquer divindade preta seja o Diabo, para que eles possam demoniza-los e depois culpar os pretos por estarem a frente de si próprios em qualquer coisa, eles julgando isso lícito ou não.

Não é sobre bem ou mal.
Não é sobre segurança.
É sobre motivo para prosseguir com o racismo.

É viável para eles colocarem o Diabo que eles criaram para controlar a si mesmos na mesma pessoa de Papa Legbá, sabidos de que nunca alcançariam os feitos de Robert Johnson, uma vez que uma divindade que atendia os pretos jamais atenderia a um yurugu.

Imagina você um oymbo chegar diante de Legbá, depois de toda atrocidade que ele fez contra o povo preto e ter a pachorra de ainda pedir algo?

A audácia do filho da put@!

Eles sabem que é absurdo, mas uma vez que eles não podem recorrer a nossa espiritualidade, que quer ver sangue no chão e que tá com a conta na mão, eles farão de tudo para que nós pretos também não possamos.

E não é só a proibição.
Denominando Exu e qualquer outra divindade de seu panteão e qualquer outro panteão de espiritualidade africana de Diabo, eles assinam um alvará invisível para nos agredir, agredir nossos locais sagrados, nos roubar, sequestrar mais dos nossos pra si.

Isso do Lázaro foi necessário para eles num momento em que as igrejas vão perdendo força devido a não abertura/ abertura com capacidade reduzida dos templos. Deus dos oymbos não salvou e não livros os oymbos mais tementes a ele, então a máscara vai caindo. A lavagem cerebral que eles manuseiam tem que ser refeita constantemente.

Corona não errou em tudo hein?!

Esse circo veio num momento que as pessoas viram que a raiz dos problemas é psicológica e espiritual, não religiosa. Veio no momento em que é mostrado como grande parte do que vivemos é culpa dos brancos e como pretos que estão comprometidos consigo mesmo e com seu povo não foram ou pouco foram afetados pela doença em vários campos de suas vidas e de seus corpos.

Tudo que foi difundido foi necessário para mascarar que a polícia, que desde seu princípio foi pensada para defender racistas e seus interesses, assim como os sulistas norte americanos favoráveis a continuidade da escravidão e suas terras, é incapaz de defender você ou eu e qualquer pessoa do nosso povo. Não somente eles mas alguns brancos pobres descartáveis ao grande propósito do resto deles.

Vamo botar a culpa no DIABO!
Saída perfeita.

Mas não em qualquer Diabo.
Diabo bom (em ser ruim) só vale o dos pretos.
Não passa pela cabeça deles que algo inventado por eles mesmos sirva a pretos.
Eu não consigo imaginar o Setepeles deles aparecendo em lugar nenhum pra dar algo de bom pra gente. Essa gente toda se odeia mas eles odeiam ainda mais a gente, então, até o Diabo (se existir) vai estar do lado deles contra nós.

A eles interessa que o Diabo seja o agente do mal, e a eles interessam que Exu seja o Diabo, que Papa Legbá seja Exu para que no fim, ele também seja o Diabo. Colocar tudo na mesma cumbuca funciona e funciona muito.

Vão tirar nossos nomes, nossos lugares e comparar aos deles.

Há teorias que dizem que Johnson morreu 10 anos depois de fazer sucesso, tempo esse combinado com o Djanho lá no pacto, após isso um cão preto (ora, ora, ora tinha que ser um cão preto né? Qualquer coincidência não é mera semelhança) veio buscar sua alma.

Eu tenho pra mim que o maior erro de Robert Leroy Johnson talvez tenha sido não dar a parte que era devida para Papa Legbá. Pediu aperfeiçoamento e de fato recebeu, entretanto, não mencionou proteção e foi displicente mesmo tendo sido avisado. Morreu pelas mãos de um oymbo invejoso que envenenou por ciúmes da esposa, sabotado em um dos itens que diziam que ele havia usado em seu contrato com o Diabo e que estava proibido de ser consumido na época, whisky.

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Zezi Masomakali
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